Gestão deveria buscar avanços na direção
estratégica reafirmada na Cúpula de Assunção.
O presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, exercerá
até dezembro próximo a presidência interina do Mercosul.
Vázquez tem pela frente uma tarefa difícil. Por isso, merece
todo o apoio dos países parceiros e de quem compartilhe a idéia
de que é preciso evitar uma deterioração adicional
do projeto comum. Não por razões de um romântico idealismo.
Tampouco somente por razões econômicas ou comerciais. Mas
sim pelo que o projeto tem como sentido político, em termos de
assegurar a qualidade das relações entre as democracias
do sul das Américas e a possibilidade de que elas cumpram um papel
estabilizador em uma região sul-americana com várias frentes
de tormentas evidentes.
Que o Mercosul tem problemas é algo suficientemente diagnosticado.
Às vezes, com a precisão dos técnicos, como no caso
do primeiro informe semestral da Secretaria Técnica - logo retirado
de circulação e sem que voltassem a publicar edições
seguintes. Por vezes, inclusive, com o exagero natural de quem defende
seus interesses comerciais, ainda que estes nem sempre sejam de grande
magnitude. Mas não parecem ser, necessariamente, problemas insolúveis.
Como evidencia a crise da União Européia, problemas são
naturais neste tipo de processos.
Podemos vislumbrar quatro cenários para o semestre da presidência
a cargo do Uruguai. Calibrar bem qual é o cenário a privilegiar
será crucial para assegurar um êxito razoável.
Um deles é o de um colapso total ou de um retrocesso formal -
por exemplo, a uma zona de livre comércio sem as qualidades que
hoje existem entre muitos países, que incluem regras de origem
específicas. É um cenário possível, não
desejável e pouco provável.
O outro é o de uma combinação de imobilismo no substancial
e uma certa dose de "efeitos especiais" - isso seria jogar para
a platéia, numa espécie de Mercosul de fachada. Também
é possível, ainda que não desejável. É
preciso reconhecer que é provável, pois talvez para alguns
isso poderia ser desejável.
O terceiro é de um forte salto adiante, uma espécie de
tratamento de "choque" de credibilidade para o projeto comum.
Em teoria, é desejável e também possível.
Ainda assim, as realidades políticas internas de vários
dos parceiros tornam isso pouco provável. Não se observam
fatores que possam gerar estímulos suficientemente poderosos para
que assim seja.
E o último cenário é o de buscar avanços
na direção estratégica reafirmada na Cúpula
de Assunção. É desejável e possível,
e poderia ser o mais provável e recomendável para o semestre
corrente. Implicaria em um pragmatismo razoável, orientado para
tornar possível um objetivo de longo prazo que seja reconhecido
como valioso.
Uma consideração de fundo pode contribuir para que esse
último cenário prevaleça. É a constatação
de que entre os parceiros no Mercosul - todos com complexas agendas internas
e fortes desafios externos -, o problema principal não são
necessariamente as assimetrias existentes. Em sua maioria, elas fazem
parte das realidades geográficas, políticas, econômicas
e, inclusive culturais. Mesmo quando, por vezes, são assimetrias
artificiais que desnivelam o campo de jogo, especialmente na orientação
dos investimentos, o certo é que também fazem parte da realidade.
Por outro lado, o problema principal a ser abordado é que por
incidência das assimetrias, entre outros fatores, muitas vezes se
rompe o equilíbrio de interesses nacionais que explica o vínculo
associativo. Ou seja, que o que sustenta a vontade dos parceiros de continuar
compartilhando - com base na percepção de benefícios
mútuos - é um projeto orientado para a integração
de suas economias e para competir e negociar juntos no cenário
internacional. Cabe recordar o profundo sentido político do projeto
comum a cada vez que os efeitos das assimetrias econômicas produzem
desequilíbrios comerciais em setores sensíveis, instalando
a idéia de que tudo fracassou.
Quais podem ser, então, as linhas de ação recomendáveis
para o Mercosul no semestre? Recordemos, a respeito, que há roteiro
de ação inscrito no Programa 2004-2006. Ele continua válido
e inclui metas como facilitar a circulação de bens na união
aduaneira (Decisão CMC 54/04). A isso somam-se tarefas que surgem
do acordado recentemente em Assunção em relação
ao Fundo para Convergência Estrutural e para a criação
do Parlamento do Mercosul, instituição concebida com prudência
e realismo, que pode contribuir para o objetivo traçado pelo presidente
Tabaré Vázquez em Assunção, qual seja, o de
"tornar o Mercosul mais pleno de cidadania".
Três outras tarefas podem contribuir para o êxito do Mercosul
no semestre. As três relacionam-se com métodos de trabalho,
plano no qual deficiências são mais notórias, contribuindo
para explicar a sensação de mal-estar que, com razão,
constatou o presidente Lula em seu discurso em Assunção.
A primeira tarefa é a de um efetivo fortalecimento institucional,
entendido como um funcionamento mais eficaz dos mecanismos existentes.
Isso inclui o Grupo Mercado Comum, verdadeiro braço executivo;
as reuniões periódicas dos ministros da Economia e da Indústria,
como âmbitos de coordenação das políticas nacionais
macroeconômicas e setoriais; o reconhecimento do papel fundamental
que pode desempenhar a articulação com a Secretaria Técnica,
crescentemente concebida segundo o modelo da Direção Geral
da OMC, e não necessariamente como um embrião de Bruxelas,
e do Comitê de Representantes Permanentes e sua presidência
e, finalmente, o funcionamento efetivo do mecanismo de solução
de conflitos já acordado.
A segunda é a de uma melhoria na qualidade das regras de jogo
- inclusive as que permitam contemplar os efeitos de assimetrias existentes
- e principalmente a de obter maior transparência nos processos
de criação normativa - a atual página do Mercosul
na Web deixa muito a desejar.
E a terceira tarefa é pôr em prática maior coordenação
para encarar em conjunto as negociações econômicas
internacionais, tanto no plano do comércio como no de investimentos
extrangeiros.
Um avanço significativo nos métodos de trabalho permitirá
abordar com maior eficácia complexas questões pendentes
no plano da articulação de setores produtivos, especialmente
na indústria automobilística, como também na relação
com a integração energética e da infra-estrutura
física, ambas com natural dimensão sul-americana.
Sem dúvida, a chave para este semestre e para o futuro do Mercosul
pode estar em manter a ambição dos objetivos estratégicos
já traçados para melhor aproveitar as oportunidades e desafios
que foram criados pelo novo mapa da competição econômica
mundial; porém, simultaneamente preservando a idéia de que
um espaço de integração consensual entre nações
soberanas é construído gradualmente, sem queimar etapas
e assegurando benefícios mútuos.
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