No primeiro trimestre de 2005, o Mercosul deverá avançar
em parte das iniciativas acertadas na recente Cúpula de Ouro Preto
e que exigem uma melhor elaboração, visando alcançar
a sua vigência prática. Também será preciso
avançar na articulação de soluções
referentes às válvulas de escape, com o propósito
de adaptar os compromissos assumidos, para o caso de ocorrerem efeitos
evidentes de assimetrias e de desequilíbrios que afetem os países-membros
do Mercosul. Esse é um dos problemas que exigirão uma maior
atenção dos governos e dos setores empresariais.
O tema das salvaguardas é uma questão com uma longa história.
Ela se origina no fato de que aquelas que estavam previstas no Tratado
de Assunção caducaram quando findou, em dezembro de 1994,
o chamado período de transição. A Argentina considerou
em várias oportunidades que elas devem ser restabelecidas no Mercosul.
O argumento principal é que, embora o período de transição
previsto no Tratado de Assunção tenha expirado, as suposições
principais que deram lugar à liberalização do comércio
mútuo não puderam ser cumpridas. Na verdade, a união
aduaneira ainda não foi concluída.
Em 1999, depois da desvalorização do real, a questão
assumiu uma relevância política significativa. Naquela oportunidade,
o Brasil não aceitou propostas apresentadas pela Argentina em torno
dos mecanismos de escape. Foi dada preferência a uma solução
casuística dos problemas apresentados, por meio de acordos empresariais
de restrição das exportações.
Mais recentemente, a questão foi novamente colocada no centro
da agenda das relações comerciais entre a Argentina e o
Brasil, bem como na do Mercosul. Ela expressa, no plano operacional, as
diferenças de interpretação existentes entre a Argentina
e o Brasil sobre o teor do problema.
No Brasil, o teor do problema está relacionado com insuficiências
estruturais de competitividade de setores industriais argentinos. Argumenta-se
que as salvaguardas são contrárias ao espírito e
à letra do Tratado de Assunção. Costuma-se considerar,
ademais, que elas foram proibidas para o período posterior a 31
de dezembro de 1994.
Na Argentina, por outro lado, sem abrir mão de reconhecer problemas
estruturais de competitividade de alguns de seus setores industriais,
entende-se que as principais dificuldades se originam no fato de que as
suposições segundo as quais foi concluído o Tratado
de Assunção não puderam ser integralmente implementadas.
Menciona-se, particularmente, a coordenação macroeconômica
e a articulação de setores produtivos, especificamente previstos
no pacto original como parte integral do processo, que, primeiramente,
deveriam conduzir à união aduaneira e, em seguida, ao mercado
comum.
O fato concreto agora é que, depois da Cúpula de Ouro Preto,
será necessário continuar negociando uma fórmula
que contemple todos os interesses. A reafirmação da validade
estratégica do Mercosul, e da sua finalidade como instrumento de
transformação produtiva de todos os países-membros,
deverá facilitar a obtenção do consenso necessário.
Alguns elementos para encontrar uma solução para o problema
poderiam ser os seguintes:
- colocar a questão no âmbito mais amplo de acordos de
integração produtiva nos setores com maiores sensibilidades
dentro do Mercosul;
- reconhecer que nada impede, no âmbito jurídico do Mercosul,
prever mecanismos de escape para os quais existe, na experiência
do comércio internacional e, inclusive, em outros acordos de
integração regional, uma vasta gama de opções.
O Tratado de Assunção determinou efetivamente um prazo
para a aplicação das cláusulas de salvaguardas
originalmente estabelecidas. Ele não proíbe, porém,
em nenhuma das suas disposições, a sua utilização,
no caso de assim o decidirem os países-membros, por meio de uma
decisão do Conselho, que exigiria o consenso. Além disso,
não existe uma fórmula única nessa matéria;
- estabelecer, no âmbito de acordos de integração
produtiva, mecanismos de escape transitórios e para cuja aplicação,
em casos concretos, poderiam ser exigidos procedimentos especiais, que
assegurem que seu uso não seja facultativo ou arbitrário
- prevendo, por exemplo, em todos os casos, uma opinião técnica
fundamentada da secretaria atual. Seria possível prever, inclusive,
que o mecanismo de escape não possa afetar mais de uma determinada
porcentagem das importações procedentes do Mercosul. Se
este limiar for superado, os procedimentos deverão ser mais rigorosos
e deverão incluir o consenso de todos os membros;
- avançar no aprimoramento de regras do jogo, que contemplem
os impactos negativos de assimetrias de dimensão econômica
e diferenças nas competitividades relativas dos sócios.
Assumem importância, em particular, as que se referem aos incentivos
fiscais para o investimento, assim como para a neutralização
dos efeitos de políticas setoriais que contribuam para desnivelar
o campo de atuação, na concorrência econômica,
entre as empresas que operam no Mercosul.
A resolução dessa questão complexa permitirá
restabelecer a credibilidade no Mercosul, tanto dos seus países-membros,
quanto nos países com os quais se deseja concretizar ambiciosos
acordos comerciais. O sinal seria claro no que diz respeito à capacidade
de adaptação das regras do jogo às realidades econômicas
dos países-membros. Isso melhoraria a qualidade institucional do
Mercosul.
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