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  Félix Peña

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 Revista Brasileira de Comércio Exterior (RBCE) | Octubre de 2004

Mercosul e relações entre Argentina e Brasil: Perspectivas para avaliação e propostas de ação


A próxima Cúpula do Mercosul em Ouro Preto coincidirá com a passagem do décimo aniversário da aprovação da tarifa externa comum. Junto com a total eliminação de tarifas e restrições não-tarifárias ao comércio recíproco, a tarifa externa foi concebida como um dos instrumentos medulares do Tratado de Assunção e é um passo prévio à etapa mais vigorosa de construção de um mercado comum.

Uma das premissas explicitadas na negociação destes instrumentos medulares era o avanço na coordenação macroeconômica e na integração setorial. Nestes 10 anos não se logrou avançar em nenhum dos dois casos. Tampouco houve avanço no desenvolvimento dos outros elementos do mercado comum, conforme sua definição no artigo 1° do pacto constitutivo. Seria então válido considerar que, em boa medida, este pacto constitutivo plasmado no Tratado de Assunção foi superado pela realidade.

Também completou 10 anos o Protocolo de Ouro Preto que estabeleceu uma estrutura institucional com órgãos, processos de criação normativa e efeitos jurídicos das regras aprovadas por consenso. Esta estrutura evoluiu recentemente com a Presidência do Comitê de Representantes Permanentes e a Secretaria Técnica. A idéia subjacente seria, ao que se sabe, que esses dois órgãos se incorporassem a uma nova versão de tal Protocolo que seria conhecido como “Ouro Preto II”.

Perspectivas para avaliar a experiência acumulada

A experiência acumulada com o Mercosul desde a sua criação – inclusive desde o desenvolvimento a partir de 1985 da etapa bilateral do processo de integração entre a Argentina e o Brasil –, e especialmente nestes 10 anos de vigência da tarifa externa comum, pode ser apreciada em pelo menos três perspectivas complementares.

A primeira é a política. Está relacionada com a marca das relações estabelecidas por quatro países que são vizinhos e, nas duas últimas décadas, fortaleceram suas conexões em todos os planos. Trata-se de relações hoje dominadas pela lógica da integração diante de fatos comuns na História de países vizinhos em todo o mundo, ou seja, o predomínio da lógica da fragmentação e, em última instância, da lógica do domínio hegemônico, com, inclusive, a absorção por um deles. Isso ocorreu com maior freqüência nos subsistemas internacionais marcados por profundas assimetrias de poder e dimensão econômica entre os vizinhos.

A verdade é que, extrapolando as tensões ocasionais e os naturais conflitos comerciais, consolidouse entre os sócios do Mercosul e entre estes e seus principais associados, o Chile e a Bolívia, a idéia de um “bairro” que aspira a revestir-se de qualidade, com confiança recíproca e “boas maneiras”.

Trata-se da noção de uma zona de paz cujo valor internacional cresce na medida em que se possa concebê-la como um núcleo sólido da estabilidade política sul-americana. É um bem público que deve ser preservado e cultivado mediante o exercício sutil de uma diplomacia de integração – não só governamental mas também dos atores sociais – e a tecedura perseverante de uma forte rede de conectividade em todos os planos, e não apenas no econômico e comercial, posto que a História universal, além de muitas experiências contemporâneas, assinala que costuma ser mais fácil retroceder do que avançar no que respeita à orientação e à qualidade das relações entre países vizinhos.

Até que ponto um eventual colapso do Mercosul ou o seu declínio para um plano de acentuada irrelevância econômica teria o efeito de deteriorar este resultado político é uma questão que merece a reflexão de todos os que apreciam a inserção de cada um de nossos países em um subsistema regional dominado pela lógica da integração e não pela da fragmentação, ou seja, por aqueles que valorizam a inserção em um “bairro de qualidade”.

A segunda perspectiva para uma avaliação do Mercosul é a do intercâmbio comercial. Esta guarda relação primordialmente com os fluxos de comércio de bens entre os sócios. Neste plano têm-se observado, nos anos de experiência acumulada, Os conflitos no Mercosul desnorteiam a opinião pública, que recebe mensagens contraditórias entre uma aliança épica, cheia de virtudes, e as disputas hoje por geladeiras, ontem por têxteis e calçados, amanhã por automóveis e autopeças flutuações que podem ser explicadas fundamentalmente por disparidades no comportamento das respectivas economias – especialmente as do Brasil e da Argentina – e, às vezes, também por fortes disparidades cambiais.

Até que ponto o comércio recíproco e suas flutuações nos últimos anos podem dever-se à existência do Mercosul e de suas regras de jogo e em que medida são o resultado natural da contigüidade geográfica de economias que na década de noventa se abriram para o mundo e não apenas para a região? Esta é uma pergunta que ainda precisa ser respondida com precisão e evidência empírica, a fim de permitir o esclarecimento de efeitos comerciais negativos e positivos que costumam ser atribuídos ao Mercosul.

A terceira perspectiva é a do investimento produtivo. Esta é provavelmente a mais importante, do ponto de vista político e não só econômico. Significa visualizar o Mercosul como um instrumento de transformação produtiva de cada país membro e, conseqüentemente, de incorporação de progresso técnico e geração de emprego qualificado. Tem a ver com a capacidade de competição em escala global e não apenas regional. É o que dá sentido, aos olhos de seus cidadãos, à idéia que tanto se difundiu nos momentos basilares de abertura para todos do acesso a um mercado de mais de duzentos milhões de consumidores.

É nesta última perspectiva que o Mercosul, após 10 anos de uma união aduaneira ainda incompleta, suscita mais perguntas do que respostas ao empresariado, sobretudo de pequeno ou médio porte, que avalia a conveniência de investir em função do espaço econômico prometido. São perguntas estimuladas por uma vivência de regras precárias, um debate existencial contínuo sobre a conveniência do Mercosul e suas modalidades – zona de livre comércio ou união aduaneira? –, um campo de jogo desnivelado e pouca transparência dos mecanismos de negociação.

Na visão de um investidor potencial, nacional ou estrangeiro, são três as perguntas fundamentais que esperam respostas claras dos países membros. Todas elas se referem ao potencial do Mercosul como processo formal de integração orientado para a constituição de um genuíno incentivo institucional e econômico ao investimento produtivo.

São estas as perguntas: Os sócios – principalmente os dois de maior dimensão econômica – estão dispostos a acatar disciplinas coletivas que restrinjam sua liberdade para aplicar discricionariamente políticas públicas em matéria de desenvolvimento econômico, comércio exterior e investimento produtivo?

Em que consiste a preferência econômica entre os sócios e em que ela consistirá caso se concluam as negociações com a União Européia e com os Estados Unidos – quer no contexto da chamada Alca ou eventualmente em um formato 4+1 –, ou ainda, em outras palavras, que vantagens econômicas derivadas do privilégio de ser um membro pleno diferem das concedidas a países com os quais Mercosul se associa mediante acordos preferenciais nos âmbitos latino-americano, hemisférico, bi-regional ou global?

Como se garante o respeito à preferência econômica pactuada entre os sócios? Quem investe, por exemplo, no Uruguai ou no Paraguai, em função do espaço integrado, goza das mesmas garantias de acesso aos mercados dos demais sócios – especialmente da Argentina e do Brasil – que tem hoje quem investe na Lituânia ou na Eslovênia em função do mercado da União Européia?

Em dezembro próximo, muitos empresários – sobretudo de pequeno e médio porte – e seus empregados procurarão nos resultados da Cúpula de Ouro Preto pelo menos um começo de resposta a estas perguntas. Vão procurar tais respostas na adoção de compromissos exigíveis que não possam ser facilmente deixados de lado. Conforme as respostas, os empresários vão se inclinar ou não a levar a sério o Mercosul, ou seja, a investir em função do mercado ampliado.

Questões relevantes para um Mercosul com futuro

Desde a origem do processo de integração, as relações entre a Argentina e o Brasil têm sido um fator fundamental para sua vitalidade e credibilidade. No momento, pelo menos duas tendências parecem coexistir nestas relações no tocante ao Mercosul.

Por um lado, observa-se a persistência de uma clara vontade política de continuar construindo o espaço de integração econômica como parte das estratégias mais amplas de inserção de cada país no mundo e na região sul-americana. Os Presidentes Kirchner e Lula assim o manifestaram reiteradas vezes.

Por outro lado, são notórias as dificuldades metodológicas surgidas nos últimos anos no desenvolvimento do processo de integração.

A nosso ver, as deficiências metodológicas são sentidas principalmente na capacidade institucional para administrar desajustes transitórios ou estruturais que geram conflitos comerciais entre os sócios e para produzir regras de jogo que, ao mesmo tempo que refletem os interesses nacionais dos países membros – no pressuposto de que estejam corretamente definidos –, tenham um forte potencial de penetração na realidade, isto é, de cumprimento (critério de efetividade das regras) e de consecução portanto dos objetivos que com elas se procura alcançar (critério de eficácia).

Tais regras são essenciais para fazer avançar a construção gradual do Mercosul e, em particular, para efetuar as adaptações exigidas pelas contínuas mudanças na realidade externa e interna dos países membros. Sua efetividade e eficácia são, por outro lado, fundamentais para a aceitação social dos compromissos assumidos, pelo fato de serem percebidas como geradoras de um quadro de proveito mútuo para os sócios (critério de legitimidade social).

O certo é que os recentes conflitos comerciais entre as duas principais economias da área evidenciaram, mais uma vez, que o Mercosul os maneja mal. Poder-se-ia dizer que ele tem um mau “aparelho digestivo”. À semelhança do que ocorreu outras vezes, neste caso também foram geradas tensões de forte impacto social, as quais eram, inclusive, desproporcionais à magnitude dos fluxos de comércio envolvidos. Tais conflitos desnorteiam a opinião pública, que recebe mensagens contraditórias entre uma aliança épica, cheia de virtudes e as disputas, hoje por geladeiras, ontem por têxteis e calçados, amanhã por automóveis e autopeças.

O aspecto favorável é que as diferenças logo se diluem e deixam de ser notícia. O desfavorável é que elas contribuem para uma erosão paulatina da imagem do Mercosul e aprofundam sua perda de credibilidade. E será ainda pior se os sócios não tiverem – e nenhum parece ter – um “plano B” sustentável, isto é, um plano viável de inserção econômica internacional que por sua vez contribua para a consolidação de uma região sul-americana dominada pela lógica da integração e, portanto, pela paz e pela estabilidade política no contexto do predomínio da legitimidade democrática em cada um dos países que a conformam.

Convém então que haja uma discussão serena e um diagnóstico preciso. O que vai mal no Mercosul? A idéia estratégica ou a forma de implementá-la?

Não obstante as afirmações contundentes feitas no calor do debate público – como a de que “o Mercosul fracassou” e outras semelhantes –, não se observa em nenhum dos sócios uma posição firme em relação ao abandono da idéia que o Mercosul encarna. Conforme antes se assinalou, pelo menos nos atuais governos tal hipótese está descartada. Ela tampouco cala fundo na opinião pública. Isso talvez ocorra porque todos temos consciência do sabor amargo que teria um fracasso, bem como do descrédito internacional e de suas conseqüências no complicado cenário sul-americano. Mas se o reconhecimento de tal fracasso se tornasse indispensável, dificilmente se deixaria de logo criar algo parecido com o Mercosul. E alguém acreditaria nele?

Apesar das aparências, o debate não parece ser de natureza existencial. Estaria mais centrado em como levar a cabo o trabalho conjunto entre os sócios, isto é, no aspecto metodológico. Seu eixo passa por uma questão central em um processo de integração voluntária entre nações vizinhas e de poder relativo desigual: como distribuir os custos e benefícios ou, em outros termos, como resolver a questão de quem ganha e quem perde.

O equacionamento desta questão é simples de definir e difícil de pôr em prática. Trata-se, certamente, de que todos percebam que ganham mais estando dentro do clube do que fora dele. Mas o problema no Mercosul é que, dadas as assimetrias de tamanho, as competitividades relativas, as situações macroeconômicas conjunturais, há recorrentemente aqueles que percebem, ou acreditam perceber, que são perdedores sistemáticos. Pode se tratar de países – o caso do Paraguai ou do Uruguai – ou de setores industriais ou agrícolas sensíveis de qualquer dos sócios.

Costuma-se afirmar que a solução estaria no retrocesso do Mercosul para uma zona de livre comércio. Esta solução, em teoria, seria cabível. Na prática, suscita enormes problemas. Não há zona de livre comércio moderna sem regras de origem específicas. As zonas de comércio conhecidas e que proliferaram nos últimos anos na região e em outras partes deixam claro que é com regras de origem específicas que se faz a discriminação entre sócios e não-sócios.

Cabe a respeito formular esta pergunta: Seria fácil negociar regras de origem específicas dentro de um clima de insucesso do processo em curso no Mercosul? E por acaso os problemas recorrentes observados nos últimos anos não têm origem precisamente no comércio intra-Mercosul de bens e serviços, devido em boa parte à impossibilidade de concretizar as premissas acima referidas – coordenação macroeconômica e integração produtiva setorial – explicitadas quando da negociação do Tratado de Assunção?

Acredito que a abordagem profunda do debate metodológico é inadiável. Convém baseá-lo em um diagnóstico dos problemas sensíveis, realizá-lo por meio de um diálogo franco e da negociação e colocá-lo na perspectiva de um salto à frente. Não se trata de um salto para um vazio cheio de ilusões, de uma nova quimera, mas, antes, de um salto no sentido de regras com mais qualidade e realismo do que as atuais.

O debate metodológico há de exigir muita liderança política e criatividade técnica. Pelo fato de o Brasil ser o país de maior dimensão econômica e exercer no semestre corrente a presidência pro-tempore do Mercosul, cabe-lhe importante responsabilidade.

Neste contexto, é importante destacar que se observa uma atitude cada vez mais cética de parte de empresários e economistas brasileiros em relação ao Mercosul. Numerosos artigos de especialistas e editoriais dos principais jornais a põem em evidência. Do ponto de vista da estratégia negociadora dos demais sócios, porém com destaque para o da Argentina, convém que se procure entender a perspectiva predominante no Brasil em relação ao Mercosul, tal como exteriorizada na imprensa do país, pelo menos.

Citam-se a seguir alguns elementos do diagnóstico que prevaleceriam em setores brasileiros relevantes, especialmente naqueles que poderiam ser considerados como os mais céticos acerca do Mercosul:

  • Os conflitos comerciais do Mercosul devem-se fundamentalmente a deficiências estruturais que afetam a competitividade relativa de setores industriais da Argentina; seriam uma conseqüência das próprias políticas econômicas aplicadas nos últimos anos e da falta de resposta do empresariado às oportunidades abertas tanto no mercado brasileiro como, ainda, no dos demais sócios e do Chile.

  • O fato de a balança comercial bilateral ser agora deficitária para a Argentina e de a tendência ser de ampliação da brecha é que estaria levando o Governo argentino a aplicar medidas protecionistas, violando inclusive as regras pactuadas; caberia esperar mais protecionismo no futuro.

  • A Argentina não estaria, pelo menos no curto prazo, em condições de superar as deficiências de competitividade relativa observadas em vários de seus setores industriais.

  • O mercado argentino é mais atraente agora do que há dois anos, porém teria perdido importância relativa comparativamente com outros mercados de exportação para os setores industriais brasileiros, inclusive no setor automotriz.

  • No pior dos cenários, na Argentina os produtos de origem brasileira só poderiam perder a preferência comercial resultante do Mercosul; jamais receberiam um tratamento mais restritivo do que o aplicado a terceiros países; em muitos casos os produtos brasileiros poderiam competir no mercado argentino, mesmo sem a preferência comercial; dificilmente haveria um cenário em que a Argentina aumentaria drasticamente suas restrições às importações de todas as origens, exceto no caso de alguns setores muito sensíveis.

  • Nas condições atuais, seria difícil para a Argentina admitir a idéia de uma integração econômica mais profunda com o Brasil, isto é, de avançar na linha de um mercado único.

  • A capacidade do Brasil de lançar uma âncora à Argentina em matéria de investimentos diretos e de financiamento de investimentos industriais é relativamente limitada.

  • Todavia, preservar o Mercosul é para o Brasil um objetivo valioso de sua política externa particularmente útil às suas negociações comerciais internacionais, dado o “efeito de legitimidade social” de um eventual acordo de livre comércio com os Estados Unidos. Mas, acima de tudo, é primordial para o Brasil cooperar para que a Argentina possa finalmente superar suas atuais dificuldades.

  • Em síntese: o Mercosul e a Argentina teriam hoje um valor relativo para o desenvolvimento econômico do Brasil – inclusive para a estratégia de inserção internacional de suas empresas – menor do que o que tinham no começo do processo; trata-se de um mercado em que as empresas brasileiras poderiam competir mesmo sem preferências comerciais; o maior interesse em preservar o Mercosul é dos responsáveis pela estratégia internacional e pela política externa brasileira, em particular, no que respeita ao espaço sul-americano, às relações com os Estados Unidos e às negociações comerciais internacionais (embora hoje menos do que antes).

No momento, isto é, neste segundo semestre de 2004, conviria aparentemente focalizar a agenda negociadora em relação ao Mercosul em pouquíssimas questões centrais. Isso, porém, sem prejuízo das ações que forem desenvolvidas no espaço sul-americano mais amplo, especialmente em matéria de livre comercio com a Comunidade Andina de Nações, de integração energética e de infra-estrutura física. As questões centrais de uma agenda de ação imediata do Mercosul poderiam envolver principalmente o seguinte:

  • O estabelecimento de algum tipo de mecanismo de flexibilização pautada e temporária das regras de jogo aplicáveis ao comércio intra- Mercosul. Uma hipótese máxima seria o restabelecimento de cláusulas de salvaguarda mediante uma Decisão do Conselho do Mercosul. Conviria evitar que lhes fosse dado um caráter de relativa automaticidade, inclusive para prevenir uma avalanche de demandas por parte de setores industriais. Poder-se-ia atribuir um papel à Secretaria do Mercosul na análise técnica da situação concreta que requeresse flexibilização temporária. Uma hipótese mínima compreenderia a obrigação de consulta entre os sócios e a liberação das medidas concretas acordadas entre os governos, com a participação dos respectivos setores empresariais. Precedentes a serem levados em conta na elaboração de regras de jogo do Mercosul na matéria poderiam ser os mecanismos ao estilo do artigo 22 do Acordo de Complementação Econômica 14 (1) e dos artigos 26, segundo parágrafo, e 107 do velho Tratado de Roma. (2) Haveria a vantagem de eliminar-se o argumento que o Governo brasileiro tem invocado toda vez que assinala que um acordo voluntário de restrição de exportações seria vulnerável à luz de sua legislação de defesa da concorrência. Uma norma do Mercosul permitiria dar cobertura jurídica a tais restrições “voluntárias” e facilitaria um controle eficaz por parte dos governos.

  • A atribuição de grande ênfase e prioridade política a acordos formais orientados para a integração de cadeias de valor, seja no contexto dos atuais foros de competitividade, seja utilizando a Decisão CM 3/91 que continua vigente ou gerando um novo marco normativo. A criação de facilidades financeiras para projetos desenvolvidos em virtude de acordos de integração produtiva poderia ser inclusive uma das resultantes da cooperação econômica que finalmente derivasse da associação bi-regional com a União Européia.

  • O enfrentamento da questão da tarifa externa comum utilizando toda a flexibilidade que o artigo XXIV-8 do Gatt-1994 admite.

  • A aprovação de programas de integração solidária em relação ao Paraguai e ao Uruguai que signifique o reconhecimento de um Mercosul de geometria variável e múltiplas velocidades, no que concerne tanto ao comércio intra-Mercosul como ao AEC.

  • A elaboração de um código de conduta em matéria de incentivos ao investimento e ao comércio intra-Mercosul segundo as linhas, por exemplo, do disposto a respeito dos investimentos no acordo de comércio interno do Canadá, de 1994. (3)

Estas e outras questões relacionadas com o funcionamento das instituições do Mercosul deveriam ser parte necessária de um vigoroso debate entre os países membros e dentro de cada um deles acerca do futuro de um processo de integração regional concebido como funcional para a transformação produtiva conjunta e a inserção competitiva na economia global. A participação dos empresários e demais setores da sociedade civil, no âmbito especialmente de foros conjuntos do Mercosul, contribuiria para que tal debate refletisse os interesses às vezes diversos de todos os protagonistas relevantes de cada país membro. A recente criação da Coalizão Empresarial Argentina-Brasil poderia propiciar um espaço adequado para a análise e articulação de consensos em torno de novas modalidades operacionais do Mercosul, sem prejuízo da participação prevista de empresários dos outros dois sócios e, eventualmente, também dos países associados.

Transparência: qualidade valiosa porém escassa no Mercosul?

A questão da transparência em seus processos de decisão requer hoje uma atenção especial no debate sobre o futuro do Mercosul.

De fato, a transparência é uma qualidade propagada nos últimos anos nas negociações comerciais internacionais. Um espaço de negociação que não seja transparente passa a ser visto como antiquado e próprio de um mundo que se acabou. Estes dois fatores, pelo menos, estimularam tal mudança: a internet e as demandas da sociedade civil e de suas organizações. Eles se potencializam mutuamente e parecem irreversíveis.

As páginas virtuais de organismos internacionais e de governos permitem cada vez mais o acesso em tempo real a informações relevantes para o entendimento do que está sendo negociado e da posição oficial dos negociadores. Poder-se-ia inclusive afirmar que a qualidade de um organismo ou de uma repartição pública – à semelhança da que caracteriza as empresas e demais instituições – transparece na sua página web.

Quando existe transparência – o que nem sempre é o caso – há benefícios políticos (facilitam-se a participação de setores interessados e a construção da necessária legitimidade social), econômicos (permite-se às empresas traçar tempestivamente suas estratégias de adaptação a novas condições de concorrência econômica) e culturais (demonstram-se as virtudes da aliança implícita entre a idéia de uma sociedade aberta e as tecnologias da informação).

No que respeita à transparência, o Mercosul ainda não transpôs toda a linha divisória entre antiguidade e modernidade. Qualquer usuário da internet poderá falar do quanto é difícil obter informações atualizadas sobre o que nele se negocia. Os textos das propostas de novas regras sobre temas relevantes somente são conhecidos depois de aprovados. Isso afeta inclusive a eficácia de mecanismos como o Foro Consultivo Econômico e Social. A palavra “reservado” é de uso comum nos anexos às pautas de reuniões técnicas e mesmo quando se trata do Grupo Mercado Comum e da Comissão de Comércio. O relatório semestral da Secretaria Técnica – um excelente diagnóstico do estado atual do Mercosul e dos problemas por ele enfrentados – saiu de sua página web depois de haver sido divulgado. Uma boa notícia publicada – quaisquer que sejam as razões que a expliquem – foi a da oferta que o Mercosul encaminhou à União Européia. Melhor notícia ainda teria sido a de que o projeto de acordo com todos os seus componentes também estava na internet.

É difícil dissociar a transparência das idéias de mudança e de progresso. Extrapolando idades e ideologias, a transparência permite distinguir os negociadores que valorizam a opinião de seus cidadãos daqueles que, mesmo sem disso se darem conta, não o fazem.

Para melhorar a qualidade institucional do Mercosul – objetivo de claro sentido político e econômico caso se pretenda aumentar sua credibilidade junto aos cidadãos, aos investidores e a terceiros países –, a consecução de níveis razoáveis de transparência nos processos de elaboração de regras de jogo é um dos desafios que precisa ser encarado com determinação pelos países membros. O encontro de Ouro Preto, em dezembro, dá oportunidade para passos concretos também neste plano.


(1) O texto do ACE 14 entre a Argentina e o Brasil pode ser consultado em www.aladi.org.uy. Seu artigo 22 assim estabelece: “Ambos os países procurarão promover o aproveitamento equilibrado e harmônico dos benefícios do presente Acordo e adotarão, para tal fim, através do Grupo Mercado Comum Argentina-Brasil, as medidas pertinentes para a correção de eventuais desequilíbrios no aproveitamento desses benefícios e para a expansão do intercâmbio, visando a assegurar condições eqüitativas de mercado, o máximo aproveitamento dos fatores de produção, o incremento da complementação econômica, o desenvolvimento equilibrado e harmônico dos dois países e a inserção competitiva de seus produtos no mercado internacional”.

(2) O artigo 26, segundo parágrafo, do Tratado de Roma de 1957 dispõe o seguinte: “A autorização só pode ser concedida por um período limitado e unicamente para um conjunto de posições pautais que não representam para o Estado em causa mais de 5% do valor das suas importações provenientes de países terceiros e efetuadas durante o último ano de que existam dados estatísticos” (o grifo é nosso). Esta disposição refere-se ao previsto no parágrafo primeiro no sentido de que é facultado à Comissão autorizar um Estado membro que estiver enfrentando dificuldades particulares a diferir a modificação de certas posições tarifárias. Por sua vez, o artigo 107, além de prever que cada Estado membro trata sua política em matéria de taxa de câmbio como um problema de interesse comum, estabelece que, no caso de um país membro proceder a uma modificação da taxa de câmbio que não se ajuste aos objetivos comuns definidos pelo próprio Tratado em seu artigo 104, a Comissão poderá autorizar os demais Estados membros a adotar as medidas necessárias, por um período rigorosamente limitado, nas condições e modalidades por ela definidas, a fim de limitar as conseqüências de tal ação.

(3) O acordo de comércio interno do Canadá foi firmado em 18 de julho de 1994. Seu texto pode ser consultado em www.intrasec.mb.ca/eng/ait.htm. O conteúdo deste acordo define o conceito de incentivos de maneira ampla, incluindo mecanismos fiscais, creditícios, de participação acionária e outros, proíbe incentivos que impliquem ou produzam a realocação de uma empresa de uma província a outra e define alguns tipos de incentivos cuja utilização deveria ser evitada (embora estes não sejam formalmente proibidos).


Félix Peña es Director del Instituto de Comercio Internacional de la Fundación ICBC; Director de la Maestría en Relaciones Comerciales Internacionales de la Universidad Nacional de Tres de Febrero (UNTREF); Miembro del Comité Ejecutivo del Consejo Argentino para las Relaciones Internacionales (CARI). Miembro del Brains Trust del Evian Group. Ampliar trayectoria.

http://www.felixpena.com.ar | info@felixpena.com.ar


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