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  Félix Peña

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 Valor Econômico | 28 de octubre de 2004

Negociações com futuro incerto


As duas regiões admitiram desde o início a dificuldade de obter um acordo nos prazos definidos.

Não foi possível, afinal, obter um acordo. Em Lisboa, o Mercosul e a União Européia tiveram de constatar que não podiam concluir o acordo de associação, como estava originalmente previsto. Os negociadores preferiram não definir o acordo como um fracasso. As negociações continuarão, porém, dessa vez, sem prazo fixo para a sua conclusão. É prematuro prever por enquanto qual será a evolução futura.

As duas regiões reconheceram desde o começo o valor político - e não exclusivamente comercial - da associação, bem como a dificuldade de conseguir que as negociações chegassem a termo com êxito nos prazos estabelecidos.

As negociações foram realmente prolongadas, complexas e, acima de tudo, arrítmicas. Algumas vezes enveredaram por discussões prolongadas sem ações relevantes. Até a etapa final predominaram as dificuldades e incertezas. Mesmo assim, se os negociadores continuaram insistindo, até o último momento, na manutenção do prazo de 31 de outubro, isso provavelmente ocorreu porque avaliaram que poderiam concluir pelo menos um primeiro acordo, que em seguida exigiria negociações adicionais à luz dos resultados das negociações da Rodada Doha na OMC. Talvez com base nessa perspectiva se possa explicar a definição de fracasso do esforço de negociação, que reinou entre muitos analistas e empresários.

Por alguns momentos e, especialmente na última fase da negociação, criou-se a sensação de que nenhuma das partes poderia reconhecer que estava sem condições de chegar a um acordo, pelo menos efetuando as concessões mínimas que a outra parte poderia considerar aceitável. A ausência de um estoque suficiente de concessões mínimas pode explicar a referência feita pelo comunicado de imprensa da reunião de Lisboa sobre o nível de ambição que não foi possível alcançar.

Além disso, o acompanhamento das negociações pelos meios de comunicação - muitas vezes a única fonte acessível para os que não eram negociadores - deixava a impressão de que a principal preocupação de cada parte era fazer recair sobre a outra a responsabilidade de um eventual fracasso. E, em última análise, as duas partes pareciam concordar, por motivos distintos, em evitar que se instalasse a idéia de que o não cumprimento do prazo proclamado pudesse ser enxergado como um fracasso. Parece que não conseguiram.

Num balanço preliminar, pode-se identificar pelo menos três causas substantivas e três metodológicas para explicar os resultados obtidos - além das conhecidas divergências com relação ao comércio agrícola, que, em boa parte, deveriam ser resolvidas nas negociações multilaterais no âmbito da OMC.

As causas substantivas poderiam estar relacionadas, em primeiro lugar, com a baixa importância relativa do Mercosul para a UE, certamente em comparação com outras prioridades de maior valor estratégico e econômico, como as resultantes da ampliação. Inclusive, os incentivos para negociar poderiam ter diminuído ao serem paralisadas as negociações da Alca. Em segundo lugar, poderiam estar relacionadas as profundas assimetrias de ordem econômica e de grau de desenvolvimento entre as duas regiões. E, em terceiro lugar, com a percepção européia de um Mercosul pouco crível, e que, em certos temas, havia manifestado dificuldades de articulação em torno da agenda de negociação, como também ocorreu, em algumas questões, na própria UE.

Quanto às causas metodológicas, as principais poderiam estar relacionadas, em primeiro lugar, com os assincronismos nos avanços nas duas outras importantes frentes de negociação para a UE e o Mercosul, ou seja, a OMC e a Alca. Recordemos que nos três casos havia uma previsão de conclusão até o fim deste ano. Em segundo lugar, com as interrupções e fragmentações na condução das negociações, especialmente do lado do Mercosul, como conseqüência do seu perfil institucional. Em terceiro lugar, com uma certa desconexão operacional entre a visão política e estratégica de alto nível - particularmente no caso da UE, como se refletiram nas reuniões de cúpula recentes - e o que ocorria nas negociações. Pairou uma sensação de insuficiente oxigênio político para as negociações pela parte que arcava com maiores responsabilidades políticas, devido à sua maior dimensão e grau de desenvolvimento relativo.

O recomendável agora é que, enquanto seguem negociando, as duas partes avaliem e capitalizem a experiência acumulada nos anos recentes. O pior cenário seria continuar o processo de negociação sem uma correta apreciação das causas dos resultados alcançados. O setor empresarial deveria assumir um papel significativo nesta avaliação e na formulação dos cursos de ação que permitam obter um acordo, que seja ao mesmo tempo equilibrado e razoavelmente ambicioso. Isto exigiria um maior esforço de coordenação entre os empresários do Mercosul. O interesse do empresariado do Mercosul, sem prejuízo para os demais interesses, deveria estar vinculado com o fato de outras regiões e países - como o Chile -- já terem conseguido um acesso preferencial para seus bens e serviços no mercado da União Européia. O mesmo ocorre com os EUA.

Este interesse, porém, também deveria estar vinculado com o fato de que a não-conclusão das negociações poderá contribuir para erodir ainda mais a imagem debilitada de um Mercosul que tem grandes dificuldades de credibilidade, tanto no cenário internacional como no âmbito dos cidadãos e investidores da própria região. Devemos recordar que a base da legitimidade social do Mercosul está no fato de ser percebida como uma plataforma conjunta efetiva para a transformação produtiva de cada membro, e para negociar com outros países e regiões as regras de jogo que lhes permitam competir melhor na economia mundial.


Félix Peña es Director del Instituto de Comercio Internacional de la Fundación ICBC; Director de la Maestría en Relaciones Comerciales Internacionales de la Universidad Nacional de Tres de Febrero (UNTREF); Miembro del Comité Ejecutivo del Consejo Argentino para las Relaciones Internacionales (CARI). Miembro del Brains Trust del Evian Group. Ampliar trayectoria.

http://www.felixpena.com.ar | info@felixpena.com.ar


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