As duas regiões admitiram desde o início a dificuldade
de obter um acordo nos prazos definidos.
Não foi possível, afinal, obter um acordo. Em Lisboa, o
Mercosul e a União Européia tiveram de constatar que não
podiam concluir o acordo de associação, como estava originalmente
previsto. Os negociadores preferiram não definir o acordo como
um fracasso. As negociações continuarão, porém,
dessa vez, sem prazo fixo para a sua conclusão. É prematuro
prever por enquanto qual será a evolução futura.
As duas regiões reconheceram desde o começo o valor político
- e não exclusivamente comercial - da associação,
bem como a dificuldade de conseguir que as negociações chegassem
a termo com êxito nos prazos estabelecidos.
As negociações foram realmente prolongadas, complexas e,
acima de tudo, arrítmicas. Algumas vezes enveredaram por discussões
prolongadas sem ações relevantes. Até a etapa final
predominaram as dificuldades e incertezas. Mesmo assim, se os negociadores
continuaram insistindo, até o último momento, na manutenção
do prazo de 31 de outubro, isso provavelmente ocorreu porque avaliaram
que poderiam concluir pelo menos um primeiro acordo, que em seguida exigiria
negociações adicionais à luz dos resultados das negociações
da Rodada Doha na OMC. Talvez com base nessa perspectiva se possa explicar
a definição de fracasso do esforço de negociação,
que reinou entre muitos analistas e empresários.
Por alguns momentos e, especialmente na última fase da negociação,
criou-se a sensação de que nenhuma das partes poderia reconhecer
que estava sem condições de chegar a um acordo, pelo menos
efetuando as concessões mínimas que a outra parte poderia
considerar aceitável. A ausência de um estoque suficiente
de concessões mínimas pode explicar a referência feita
pelo comunicado de imprensa da reunião de Lisboa sobre o nível
de ambição que não foi possível alcançar.
Além disso, o acompanhamento das negociações pelos
meios de comunicação - muitas vezes a única fonte
acessível para os que não eram negociadores - deixava a
impressão de que a principal preocupação de cada
parte era fazer recair sobre a outra a responsabilidade de um eventual
fracasso. E, em última análise, as duas partes pareciam
concordar, por motivos distintos, em evitar que se instalasse a idéia
de que o não cumprimento do prazo proclamado pudesse ser enxergado
como um fracasso. Parece que não conseguiram.
Num balanço preliminar, pode-se identificar pelo menos três
causas substantivas e três metodológicas para explicar os
resultados obtidos - além das conhecidas divergências com
relação ao comércio agrícola, que, em boa
parte, deveriam ser resolvidas nas negociações multilaterais
no âmbito da OMC.
As causas substantivas poderiam estar relacionadas, em primeiro lugar,
com a baixa importância relativa do Mercosul para a UE, certamente
em comparação com outras prioridades de maior valor estratégico
e econômico, como as resultantes da ampliação. Inclusive,
os incentivos para negociar poderiam ter diminuído ao serem paralisadas
as negociações da Alca. Em segundo lugar, poderiam estar
relacionadas as profundas assimetrias de ordem econômica e de grau
de desenvolvimento entre as duas regiões. E, em terceiro lugar,
com a percepção européia de um Mercosul pouco crível,
e que, em certos temas, havia manifestado dificuldades de articulação
em torno da agenda de negociação, como também ocorreu,
em algumas questões, na própria UE.
Quanto às causas metodológicas, as principais poderiam
estar relacionadas, em primeiro lugar, com os assincronismos nos avanços
nas duas outras importantes frentes de negociação para a
UE e o Mercosul, ou seja, a OMC e a Alca. Recordemos que nos três
casos havia uma previsão de conclusão até o fim deste
ano. Em segundo lugar, com as interrupções e fragmentações
na condução das negociações, especialmente
do lado do Mercosul, como conseqüência do seu perfil institucional.
Em terceiro lugar, com uma certa desconexão operacional entre a
visão política e estratégica de alto nível
- particularmente no caso da UE, como se refletiram nas reuniões
de cúpula recentes - e o que ocorria nas negociações.
Pairou uma sensação de insuficiente oxigênio político
para as negociações pela parte que arcava com maiores responsabilidades
políticas, devido à sua maior dimensão e grau de
desenvolvimento relativo.
O recomendável agora é que, enquanto seguem negociando,
as duas partes avaliem e capitalizem a experiência acumulada nos
anos recentes. O pior cenário seria continuar o processo de negociação
sem uma correta apreciação das causas dos resultados alcançados.
O setor empresarial deveria assumir um papel significativo nesta avaliação
e na formulação dos cursos de ação que permitam
obter um acordo, que seja ao mesmo tempo equilibrado e razoavelmente ambicioso.
Isto exigiria um maior esforço de coordenação entre
os empresários do Mercosul. O interesse do empresariado do Mercosul,
sem prejuízo para os demais interesses, deveria estar vinculado
com o fato de outras regiões e países - como o Chile --
já terem conseguido um acesso preferencial para seus bens e serviços
no mercado da União Européia. O mesmo ocorre com os EUA.
Este interesse, porém, também deveria estar vinculado com
o fato de que a não-conclusão das negociações
poderá contribuir para erodir ainda mais a imagem debilitada de
um Mercosul que tem grandes dificuldades de credibilidade, tanto no cenário
internacional como no âmbito dos cidadãos e investidores
da própria região. Devemos recordar que a base da legitimidade
social do Mercosul está no fato de ser percebida como uma plataforma
conjunta efetiva para a transformação produtiva de cada
membro, e para negociar com outros países e regiões as regras
de jogo que lhes permitam competir melhor na economia mundial.
|