A idéia de cenários intermediários nas atuais negociações
comerciais internacionais, como a que vem se desenhando, recentemente,
como possível, implicaria em um desdobramento dos resultados a
serem obtidos nas frentes de negociação da OMC, da Alca
e com a União Européia (UE).
Nesse caso, em uma primeira etapa, no segundo semestre de 2004, seriam
alcançados parte dos resultados originalmente previstos. Então,
as negociações prosseguiriam até a obtenção,
em 2006 ou 2007, dos principais resultados de previstos no início
das diferentes negociações.
Tais resultados configurariam cenários diferentes dos que até
agora predominaram entre negociadores e analistas. O primeiro cenário
imaginado foi o da conclusão bem-sucedida das três negociações
nos prazos originalmente previstos, isto é, entre o segundo semestre
de 2004 e início de 2005.
O segundo cenário foi o de um adiamento das negociações
da OMC para 2006 ou 2007, especialmente se a reunião ministerial
de Cancún, em setembro próximo, culminar com fracasso na
abordagem de questões cruciais, em especial, a da agricultura.
Isto poderá produzir uma dilatação similar nos prazos
das negociações na Alca e das conversações
inter-regionais entre o Mercosul e a UE.
O terceiro cenário imaginado até agora é o de um
fracasso total das negociações na OMC e, em conseqüência,
de uma profunda crise no sistema multilateral de comércio, ainda
mais grave do que a resultante do fracasso em Seattle, em 1999. É
um cenário que também teria repercussões, provavelmente
negativas, nas negociações da Alca e com a UE.
Na OMC, um cenário intermediário começa a ser visualizado
como provável, pelo efeito combinado de duas realidades opostas
que vêm se manifestando de forma mais aguda nos últimos meses.
Uma realidade é o interesse que se observa, tanto nos EUA como
na UE, em evitar custos políticos de um fracasso que agravem as
dificuldades da economia mundial e das instituições multilaterais,
em especial, neste caso, as do sistema de comércio mundial.
Como assinalou o professor Jagdish Bhagwati em um artigo publicado em
24 de julho no Valor, a tendência ao que ele denomina "epidemia"
de acordos bilaterais de livre comércio já está comprometendo
seriamente a solidez do sistema multilateral de comércio no âmbito
da OMC. Um fracasso nas atuais negociações estimularia essa
tendência.
A outra realidade resulta, por sua vez, de três fatores, que geram
dificuldades para concluir as negociações atuais no ano
que vem.
O primeiro é que o presidente Bush pretende reeleger-se, em 2004,
em um quadro complexo originado do comportamento da economia americana
e mundial, bem como dos efeitos ainda incertos da intervenção
no Iraque e da sensibilidade do eleitorado de Estados chaves a mudanças
na política agrícola - em particular a Lei Agrícola
-, e na proteção implícita em que se constituem os
mecanismos de defesa comercial. Nesse contexto, pode-se supor um Congresso
americano pouco disposto a aprovar qualquer coisa que reduza ainda mais
a margem para a aplicação unilateral de políticas
comerciais. Recentes disputas comerciais com a UE - entre elas a questão
dos transgênicos -, tende a aumentar a resistência política
aos temas multilaterais da OMC.
O segundo fator é o das dificuldades internas que se observam na
UE como resultado das fraturas políticas resultantes da guerra
no Iraque; da inclusão de novos membros, com seu impacto na governabilidade
da UE e na política agrícola, e do fato de que em 2004 a
Comissão Européia deverá ser renovada. Nesse contexto,
será difícil para a UE avançar propostas negociadoras
no terreno agrícola mais ousadas do que as acordadas recentemente
em Bruxelas.
O terceiro fator é o das resistências de países em
desenvolvimento aos resultados - desequilibrados e pouco atraentes que
podem ser previstos -, das atuais negociações comerciais.
As expectativas sobre os resultados que venham a ser obtidos na OMC podem
ter repercussões sobre as negociações na Alca e com
a UE. No que diz respeito à posição do Mercosul -
e é tanto a do Brasil como a da Argentina -, continua firme: sem
uma negociação agrícola na OMC com resultados significativos
em seus três pilares - ajudas à produção, subsídios
às exportações e acesso a mercados -, não
será possível concluir a negociação da Alca
nos moldes em que pretendem os EUA nem o acordo inter-regional com a UE.
Nas três negociações, faz sentido prático,
então, a idéia de explorar cenários intermediários
com um desdobramento, em duas etapas, dos resultados buscados.
São cenários, porém, que por sua vez se defrontam
com dificuldades políticas e técnicas. Estão vinculados
à combinação de questões a serem incluídas
e à densidade das concessões a admitir, a fim de alcançar
pontos de equilíbrio satisfatórios para todos os países,
no marco do princípio de "acordo em um único bloco"
("single undertaking"). Daí a importância do que
o Mercosul possa alcançar em eventuais cenários intermediários,
em termos de acessos efetivos aos mercados dos produtos de seu interesse,
especialmente dos EUA e da UE. Mas será também importante
em que medida os sócios poderão conciliar suas posições
sobre o grau de concessões nas questões de interesse para
os países industrializados, sem prejudicar os resultados que deverão
ser alcançados em uma segunda etapa das negociações.
Sob tal perspectiva, cabe encontrar meios de concretizar as iniciativas
apresentadas na última Cúpula do Mercosul para restabelecer
sua credibilidade junto a cidadãos, investidores e países
não pertencentes ao Mercosul. Preparar-se para os cenários
pós-negociação deveria ser, hoje, para os países
membros, tão importante quanto o desenvolvimento de estratégias
negociadoras eficazes.
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