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  Félix Peña

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 Diario Valor Económico | 3 de diciembre de 2002

Lula e o Mercosul, a Alca e os EUA


O fato de a primeira visita de Lula ao exterior ter Buenos Aires como destino, simboliza uma prioridade. A prioridade refere-se à aliança com a Argentina na estratégia do Brasil, tanto no plano comercial como no político. O destaque foi manifestado na campanha eleitoral e reiterado após a vitória nas eleições. A visita retoma a definição estratégica brasileira desde 1986. Ela acontece em um momento em que o Mercosul, principal instrumento da aliança, atravessa uma crise de identidade e de credibilidade.

Cabe agora observar como os parceiros articularão ações que permitam reconduzir o Mercosul à condição de plataforma para competir e negociar em âmbito mundial. É preciso operar - transcendendo o plano retórico e midiático -, sobre três eixos que darão sustentação a uma ação conjunta de transformação produtiva e de eqüidade social.

O primeiro é o da qualidade e efetividade das regras do jogo. Nada se ganha aprovando regras que não penetrem a realidade. Tem-se abusado de um Mercosul feito de "efeitos especiais". Protocolos cruciais não foram ratificados, e apenas 30% das decisões necessárias foram incorporadas aos ordenamentos jurídicos internos. Lacalle, ex-presidente do Uruguai tem alguma razão ao falar de um "Mercosul de papel". A idéia de fortalecer a participação dos parlamentos e da sociedade civil, poderá contribuir para reverter a situação atual. Mas o essencial é um comprometimento dos parceiros no sentido de aceitar disciplinas coletivas que não possam ser abandonadas unilateralmente invocando emergências econômicas, salvo por mecanismos que institucionalizem a flexibilidade para as situações especiais.

O segundo eixo é o das disciplinas macroeconômicas, setoriais e comerciais. Uma real união econômica exigirá definições vinculatórias sobre como será possível estabelecer uma coordenação macroeconômica, inclusive com a mobilização de criatividade na esfera dos mecanismos de pagamento. Toda iniciativa séria deve ser analizada em profundidade. Mas tendo em vista as assimetrias existentes, avanços na coordenação macroeconômica pressupõem progressos em outras áreas, entre elas a dos incentivos aos investimentos e ao comércio exterior.

O terceiro eixo é o das negociações comerciais. Desde seu início, o Mercosul privilegiou um enfoque multipolar. Isso implica em dar o devido valor a todas as frentes de negociação, especialmente na OMC, na Aladi e na Alca, e também com a União Européia. São negociações que entraram em sua fase de definições. Isso exige fortalecer a coordenação governamental e a participação da sociedade civil.

A negociação com os EUA requer, agora, uma atenção prioritária. Os avanços que se consigam nessa frente impulsionará os europeus a iniciar uma negociação real com o Mercosul. No que diz respeito a questões mais delicadas para nossos países - agricultura e defesa comercial -, as negociações na OMC são cruciais. Com os EUA dois caminhos são complementares: a Alca e o "4+1".

Em relação à Alca, é essencial levar em conta que, de fato, quase todos os países participantes já têm acordos de livre comércio assinados entre si. Os EUA já assumiram ou estão negociando esse tipo de acordos, através do Nafta e com o Chile, com a América Central e o Caribe, além de regimes preferenciais especiais com os países andinos. Acordos de livre comércio também foram assinados, ou estão sendo negociados, por países do Mercosul com seus sócios da Aladi. Nesta rede de acordos, a peça fundamental que está faltando é a dos EUA com os países do Mercosul. Sob essa perspectiva, o ponto alto das negociações da Alca implicaria - para os países que tenham acordos com os EUA e o Canadá, e como os países latino-americanos, como seria o caso de México e Chile - em estabelecer pautas e regras compartilhadas e, eventualmente, um aprofundamento das preferências alcançadas. Mas isso não agregaria muita coisa ao que já conseguiram.

Para o Mercosul, o razoável seria acelerar a negociação com os EUA no "4+1" e, simultaneamente, participar na construção da Alca. Essa parece ser a opção de Lula. Isso, inclusive, permitiria abraçar uma estratégia gradual, através da qual poderiam ser obtidos obtidos resultados parciais, mas equilibrados, deixando para a conclusão ainda incerta das negociações da Alca, os objetivos de máxima que dependem dos resultados da rodada de Doha. Um exemplo é a questão dos subsídios agrícolas, onde um resultado parcial poderia ser elaborado em função do precedente do Capítulo 7 do acordo de livre comércio entre os EUA e o Canadá.

Uma alternativa ao "4+1" seriam as negociações bilaterais de cada sócio do Mercosul com os EUA. Essa opção foi aventada, em diversas oportunidades, na Argentina e também no Uruguai. É uma hipótese que tem sido, recentemente, veiculada com vigor e recorrência no Brasil, inclusive logo após o triunfo de Lula. É uma hipótese e também uma tentação. Não parece apresentar vantagens em relação ao esforço de negociar no plano do "4+1". Mas é, sem dúvida, uma opção que adquirirá maior força, especialmente no Brasil, caso não se consiga articular uma estratégia inteligente para fortalecer um Mercosul sério e crível. É, possivelmente uma das principais questões a serem abordadas no diálogo com o novo governo de Lula, por suas implicações comerciais, mas também políticas.


Félix Peña es Director del Instituto de Comercio Internacional de la Fundación ICBC; Director de la Maestría en Relaciones Comerciales Internacionales de la Universidad Nacional de Tres de Febrero (UNTREF); Miembro del Comité Ejecutivo del Consejo Argentino para las Relaciones Internacionales (CARI). Miembro del Brains Trust del Evian Group. Ampliar trayectoria.

http://www.felixpena.com.ar | info@felixpena.com.ar


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