Inserir na agenda do Mercosul e nas agendas nacionais de seus integrantes
a questão dos cenários "pós-negociações
comerciais internacionais", como sugeriu o ministro Sergio Amaral,
significa responder a pelo menos duas perguntas: em primeiro lugar, como
vamos nos preparar para competir com nossos produtos e serviços
nos espaços econômicos ampliados que resultarão das
negociações comerciais internacionais?
Em segundo, como nos prepararmos para assimilar, em políticas
públicas, estratégias e comportamentos empresariais, as
novas diretrizes coletivas que resultarão dessas negociações?
Tais perguntas são válidas se considerarmos que, a partir
do fim do ano - depois das eleições nos EUA, França
e Alemanha, e no Brasil - as negociações na OMC, na Alca
e no "4+1", e com a União Européia, podem entrar
numa fase decisiva que se estenderá até 2004.
É evidente que também é possível que as negociações
fracassem e que o ambiente externo que envolve os parceiros no Mercosul
não mude significativamente, ao menos em termos de acesso a mercados
e de regras de jogo que se refletem na competição econômica.
É, inclusive, possível (embora difícil saber se
provável, tendo em vista a incerteza e volatilidade internacionais)
que o ambiente externo se torne mais negativo e se acentuem as tendências
protecionistas decorrentes do efeito combinado de uma maior instabilidade
política internacional (cenário "pós-11 de setembro")
e de uma forte recessão na economia mundial. Mas seria um erro
que, por prevermos somente o pior, perdêssemos as oportunidades
que resultariam de cenários mais factíveis.
Preparar os cenários "pós-negociações"
implica realizar, paralelamente, o esforço de participação
em complexas negociações - simultâneas e vinculadas
entre si, tanto nas agendas como em cronogramas e dinâmicas - e
o da preparação do Mercosul e de cada um de seus parceiros
para competir em todos os mercados e para adequação a disciplinas
coletivas cada vez mais exigentes. É ainda preciso estabelecer
o que é viável fazer, em termos de políticas públicas,
sem correr o risco de exposição a caras represálias
comerciais.
Imaginar hoje os cenários "pós-negociações"
deve ser, portanto, uma prioridade para os países do Mercosul.
Isso nos deveria levar não apenas a um esforço de reflexão
coletiva nacional e conjunta como também a tirar conclusões
para futuras políticas públicas e estratégias empresariais.
Um esforço do qual venham a participar ativamente os cidadãos
e suas principais instituições - políticas, empresariais,
sindicais, acadêmicas e o mundo cada vez amplo das organizações
não governamentais -, num cenário de maior fluidez e transparência
de informações.
Recentemente, em Praga, participei de fórum no qual pudemos apreciar
o esforço que está sendo feito pelos países do chamado
grupo Visegrad (República Tcheca, Eslováquia, Hungria e
Polônia) para deixar suas instituições, economias
e empresas em condições de serem membros plenos da União
Européia a partir de 2004.
Enquanto negociam a incorporação à UE, orientam
políticas públicas e estratégias empresariais para
se prepararem para o difícil e atraente cenário pós-negociações.
As motivações para isso são, em grande parte, os
resultados esperados e seus efeitos sobre algo valioso para seus cidadãos:
democracia e bem-estar. Mas há também o estímulo
de uma efetiva cooperação européia, extremamente
significativa em termos financeiros.
Examinar bem a experiência atual dos países do grupo Visegrad
seria, portanto, de grande valia para os países do Mercosul. Evidentemente,
ela está sendo facilitada por uma ajuda financeira que não
se materializou - pelo menos até agora -, no âmbito das negociações
com os EUA - na Alca e no "4+1" -, ou com a própria UE.
Talvez tenha chegado a hora de introduzir explicitamente em ambas as
negociações a necessidade de financiamento adicional que
contribua para as necessárias mudanças estruturais e para
o desenvolvimento de novas disciplinas macroeconômicas, setoriais
e comerciais. Com relação à UE, essa oportunidade
poderá ser a próxima reunião de ministros do Exterior
dos dois blocos, em Brasília, resultante da recente Cúpula
de Madri.
Introduzir no Mercosul a questão de como nos prepararmos para
os cenários "pós-negociações comerciais"
poderá ter ao menos um efeito colateral positivo: o de facilitar
a articulação de um debate aprofundado e racional, entre
os parceiros no Mercosul, sobre que tipo de processo de integração
- ou seja, mecanismos de decisão, regras de jogo e políticas
públicas - seria funcional no contexto dos possíveis cenários
pós-negociações, e que tipo de estratégias
empresariais conjuntas seriam necessárias para competirmos nos
mercados ampliados resultantes.
Esse debate ajudaria, inclusive, a superar os atuais problemas conjunturais
do Mercosul, projetando uma ação conjunta rumo a objetivos
estratégicos concretos de médio e longo prazos.
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