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  Félix Peña

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 Gazeta Mercantil | 4 de enero de 2002

Lições do euro para o Mercosul em 2002


Os europeus comemoraram sua nova moeda. O euro já faz parte da vida cotidiana de mais de 300 milhões de europeus. Muitos não acreditaram que esse objetivo seria atingido. Mas, como outros objetivos fixados a partir do lançamento do Plano Schuman - origem da atual União Européia (UE) -, o do euro foi alcançado com vontade política, perseverança na manutenção do rumo estratégico e grande flexibilidade para adaptar a construção européia às realidades dinâmicas e, muitas vezes, voláteis.

Na hora do lançamento de sua nova moeda, a experiência européia ensina que um processo voluntário de integração econômica entre nações soberanas que não aspiram a deixar de o ser plenamente se constrói gradualmente, com base em um rumo estratégico de grande alcance e em uma forte vontade política. Essa integração não surge de forma espontânea, apenas pela adoção de medidas de abertura comercial. Não segue, portanto, um caminho linear. É construído pedra sobre pedra - como as velhas catedrais européias, até trocando seu desenho ao longo do tempo - e muitas vezes há retrocessos e até a sensação de haver fracassado. Os países europeus souberam superar crises que pareciam terminais.

A construção nunca cessa. É um processo sem produto final visível. Mesmo o que ocorre agora, com a entrada em circulação da nova moeda, não é senão a conclusão de uma das etapas do processo de integração. A uma etapa seguirá outra e assim sucessivamente. O essencial é que, nesse processo contínuo, os europeus deixaram para trás décadas, até séculos, de confrontações e guerras. Fizeram isso a partir de um núcleo básico - a aliança franco-germânica - e de uma institucionalização que permitiu outorgar garantias suficientes a todos os demais sócios de que seu interesse nacional também seria respeitado. A percepção de ganhos mútuos entre os países europeus- preservada através do tempo graças à visão de conjunto apresentada pela Comissão Européia e ao papel fundamental da Corte de Luxemburgo, como garantia da legalidade - permitiu, até agora, o êxito de um fenômeno inédito na história das relações internacionais.

A experiência européia deixa então uma lição para o Mercosul. O importante na construção de um espaço de paz, democracia e integração econômica - tarefa que reconhece marcos de fundação (em 1986, com os acordos bilaterais entre a Argentina e o Brasil, e em 1990, com a decisão de criar o Mercosul) - é a preservação do rumo estratégico e uma grande flexibilidade na hora de encarar realidades mutáveis. Como no caso europeu, também existe um núcleo básico do qual depende o êxito do empreendimento proposto, e que é a aliança estratégica entre a Argentina e o Brasil.

Essa aliança se assenta sobre bases históricas, geográficas e racionais. Implica transformar o fato da contigüidade física em um ativo favorável ao desenvolvimento dos projetos nacionais de consolidação da democracia, da modernização econômica e social e da inserção competitiva no mundo. Isso é hoje possível, pois as duas sociedades e também as de seus dois sócios compartilham em sua essência valores políticos, econômicos e sociais que são fundamentais. Mas, sobretudo, é possível porque uma leitura, ainda que superficial, da realidade internacional leva à conclusão de que somar esforços é essencial na hora de enfrentar os desafios da globalização, das incertezas de um espaço mundial conturbado a partir dos atentados de 11 de setembro e das negociações comerciais internacionais - inevitáveis e interligadas - tanto no plano da Organização Mundial do Comércio (OMC) como no da Alca e eventualmente do '4+1' e da União Européia.

Na perspectiva anterior, é necessário inserir a agenda do Mercosul em 2002. Não é uma agenda fácil, porque tampouco será um ano fácil. Os desafios e dificuldades são conhecidos. Prefiro concentrar-me em três dados positivos que permitem gerar uma confiança prudente, enquanto 2002 pode ser um ano de progresso na construção do Mercosul.

O primeiro dado positivo é que o novo governo argentino reflete uma coalizão de forças políticas majoritárias, favoráveis à aliança argentino-brasileira e ao Mercosul. Isso o novo presidente da Argentina, Eduardo Duhalde, assinalou em seu discurso na Assembléia Legislativa. Por sua vez, a posição favorável do governo brasileiro é conhecida e, com certeza, continuará manifesta, defendendo um apoio financeiro internacional que possa tornar viável o esforço da democracia argentina para recuperar sua economia.

O segundo dado positivo é que tanto a Argentina quanto o Brasil terão de abordar, em 2002, o início de complexas negociações comerciais, cujos resultados dependerão vigorosamente de sua capacidade e habilidade de trabalhar juntos, com programas de negociação coordenados entre os dois países.

O terceiro dado positivo é que os sócios conhecem bem quais são os nós a desatar para que o Mercosul seja novamente visto como um projeto viável. O Mercosul não carece de diagnósticos sobre seus problemas. O que requer é uma forte dose de ação política para que volte a ser um instrumento funcional para reformas profundas que os sócios ainda precisam enfrentar ou completar. Tem de ser um Mercosul 'sério', em que todos os sócios vejam lucros superiores aos que teriam se não fizessem parte do pacto; em que seja nítida a preferência econômica derivada do fato de ser sócio; em que existam poucas regras, mas que sejam cumpridas, e um mínimo de disciplinas coletivas comerciais e setoriais; em que se aborde sistematicamente a integração de cadeias produtivas orientadas a competir globalmente; em que se avance na coordenação macroeconômica - as mudanças na Argentina deveriam tornar cada vez mais necessária e fatível essa frente de ação comum; e em que se contemplem válvulas de escape para situações especiais, temporárias e com procedimentos ágeis, porém rigorosos. Definitivamente, um Mercosul crível, sem perdedores, em que todos saibam que vão ganhar. Assim como a Europa, que conseguiu neste 1 de janeiro alcançar a etapa do euro.


Félix Peña es Director del Instituto de Comercio Internacional de la Fundación ICBC; Director de la Maestría en Relaciones Comerciales Internacionales de la Universidad Nacional de Tres de Febrero (UNTREF); Miembro del Comité Ejecutivo del Consejo Argentino para las Relaciones Internacionales (CARI). Miembro del Brains Trust del Evian Group. Ampliar trayectoria.

http://www.felixpena.com.ar | info@felixpena.com.ar


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