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  Félix Peña

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 Folha de Sao Paulo | 29 de julio de 1999

Conflitos comerciais do Mercosul


No Mercosul, o que importa não é a gravidade dos conflitos comerciais, mas sim a capacidade de superálos de forma racional. Quanto mais intensa a relação entre os sócios, mais natural que ocorram conflitos comerciais. Prova disso são a experiência européia das últimas décadas, a transatlântica entre os EUA e a União Européia e a dos países que integram o Nafta. Nesses casos, os países sócios procuraram esboçar regras de jogo claras e instituições eficazes -especialmente para resolver as disputas que têm sua origem na intérpretação das regras ou no alcance das medidas internas.

O Mercosul também possui mecanismos de resolução de controvérsias, que são pouco utilizados. A única decisão de um tribunal de arbitragem foi em abril passado e em conseqüência dela a Argentina considerou, que determinadas medidas adotadas pelo Brasil contrariavam o que havia sido combinado. Há outros casos. Recorrer a eles não enfraquece o Mercosul. Pelo contrário, o fortalece.

Recentemente o governo argentino adotou duas medidas que geraram a impressão de refletir tendências protecionistas é de ser contrárias ao que foi acordado. A primeira é a resolução 861 do Ministério da Economia, pela qual determinase proteção aos tecidos de algodão. Pela média, as cotas estabelecidas não afetarão as correntes recentes de importações originárias do Brasil, que em 1998, atingiram US$ 50 milhões. Tratase de uma medida prevista nà OMC (Organização Mundial do Comércio). Não existe no Mercosul nenhuma norma que impeça um sócio de adotar medidas désse tipo, como existe, no caso das proteções do artigo 19 do Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio) de 1994.

Quando a Argentina aplicou proteções aos calçados, excluiu o Brasil, que hoje é o principal exportador ao país, porque havia um compromisso explicito do Mercosul (decisão 17/96) que assim estabelecia. Essa norma do Mercosul claramente exclui os têxteis de seu âmbito. Foi por isso que o governo argentino não teve base legal para excluir o Brasil de uma medida solicitada, em conformidade com a legislação vigente, pela entidade empresarial que representa o setor. Tudo isso foi devidamente explicado às autoridades bràsileiras competentes antes da adoção da determinação.

A segunda medida é a resolução 911 do Ministério da Economia dá Argentina. Ela estabelece procedimentos com relação a uma medida, existente na Aladi (Associação Latinoamericana de Desenvolvimento e Integração), para a eventual aplicação de salvaguardas nos acordos que sejam celebrados em seu âmbito, e que não contenham normas espécífiças. Não cria um direito más regulamenta um direito existente. Não faz menção ao Mercosul nem a nenhum outro acordo dos vários que a Argentina tem na Aladi. Não seria aplicável se existissem, no Mercosul, normas próprias para a matéria. Elas não existem. Existiram até 1994.

A Argentina sugeriu, inclusive recentemente, que seria conveniente o Mercosul dispor de mecanismos próprios para resolver problemas graves, que pudessem surgir com relação a um produto ou a um setor, em conseqüência de uma desvalorização anunciada. Isso tem lógica. Existem ou já existiram mecanismos semelhantes na União Européia e no Nafta. Eles conferem flexibilidade às regras do jogo.

O Mercosul atende ao interesse estratégico de todos os seus sócios. É muito mais do que comércio -implica confiança e benefícios mútuos. Num mundo globalizado, é a melhor opção, tal vez a única inteligente. Aumenta a capacidade de atrair investidores è de negociar na OMC, com os EUA, com a União Européia. Para isso precisa ter credibilidade. A diplomacia de integração requer mais do que uma linguagem dura, um diálogo racional e até silencioso. Não convém a cada conflito criara imagem de que o que está em jogo é o próprio Mercosul. Se as regras não são claras ou existem vazios legislativos que afetam interesses legítimos, é preciso negociar novas regras. Se existem dissidências, ou controvérsias, é preciso utilizar os mecanismos existentes. Se eles não funcionam bem, é preciso aperfeiçoálos. O mercado comum existe para isso.

Òs empresários podem colaborar apresentando propostas concretas, como fez há pouco o então senador Fernando Bezerra, na condição de presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), ou selando acordos setoriais, como ocorreu em vários casos, mas não num setor tão sensível como o dos calçados no qual as importações vindas do Brasil aumentaram 71% nos seis primeiros meses deste ano, apesar de o comércio bilateral total ter apresentado uma queda de quase 28%.


Félix Peña es Director del Instituto de Comercio Internacional de la Fundación ICBC; Director de la Maestría en Relaciones Comerciales Internacionales de la Universidad Nacional de Tres de Febrero (UNTREF); Miembro del Comité Ejecutivo del Consejo Argentino para las Relaciones Internacionales (CARI). Miembro del Brains Trust del Evian Group. Ampliar trayectoria.

http://www.felixpena.com.ar | info@felixpena.com.ar


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