Para além dos problemas circunstanciais, é um fato que entre a Argentina e o Brasil existe uma relação especial, fundada na geografia, na história e nos mercados. Durante muito tempo essa relação foi assinalada pelo conflito, pela desconfiança e suspeita. Mas as duas nações finalmente decidiram livremente associar-se. Optaram por uma relação de confiança, baseada na identificação de interesses comuns e de visões compartilhadas sobre os desafios e as oportunidades de um mundo globalizado. -Interpretando forças sociais, as lideranças políticas- orientou se nesse sentido a relação bilateral nos dez últimos anos. Não foi apenas uma visão iluminada do alto escala político e menos ainda de suas diplomacias. Destes proveio-o impulso inicial. - Mas essa relação frutifica por interpretar profundas forças econômicas e culturais que se expressam; com toda a sua vigor com torno da democracia e com o florescimento de valores e comportamentos sociais próprios de sociedades abertas. E uma relação que; se sustenta na opinião pública e na realidade internacional. Daí decorre sua força.
Para além do econômico o Mercosul simboliza uma relação baseada na idéia de que compartir recursos e mercados, limitar os; reflexos condicionados ao unilateralismo e gerar gradualmente disciplinas coletivas é a forma racional e madura do mundo de encarar desafios e oportunidades neste final de século. Não significa trabalhar juntos em todos os planos, mas sim nos planos essenciais. Tampouco implicam desconhecer, diferenças, conflitos de interesse e de pontos de vista. Implica, como propusemos nos anos 70 junto a Celso Lafer, colocá-los na perspectiva ampla de uma idéia comum sobre inserção no mundo. E preciso ter presente, não obstante que os fantasmas do passado, nutridos em problemas atuais, ainda existem. São facilmente ressuscitáveis. Muitas vezes tendem a enfrentar tais problemas com metodologias e atitudes próprios de uma época em que os dois países não se consideravam sócios. Ainda que gradualmente tenham sido desmantelados os arsenais das rivalidades não se deve subestimar o fato de que tais situações ainda possam afetar o clima apropriado a uma relação entre sócios: y precisamos ser realistas. Na relação econômica bilateral, estamos passando da simples etapa de criação de interdependência à etapa mais difícil de administrá-la. A agenda de negociações tem temas complexos, como os do regime automotivo a inclusão dos serviços e as compras governamentais; a limitação de reflexos unilaterais contrários a o que foi pactuado; á conciliação de necessárias e múltiplas alianças externas. É uma agenda que requererá difícil combinação de gênio político é de visão estratégica, com diplomacia de estirpe.
Requererá instituições e regras de jogo apropriadas. A relação especialmente Argentina e o Brasil não se esgota no Mercosul. De fato; o comercio recíproco, embora tenha aumentado oito vezes desde que em 1986 teve início o trajeto de trabalho sistemático conjunto, continua sendo relativamente marginal. Mas os dois países fizeram do Mercosul a expressão mais visível da sua relação especial. Não podem, sem pagar um alto preço econômico e político, deixar que fracasse ou se dilua como ocorreu no passado com outros projetos de integração. Seria afetada seriamente a credibilidade externa de ambos' os países, em medida proporcional, pelo menos, às expectativas que geraram com a sua criação. A consolidação da relação especial requer um Mercosul com credibilidade, que permita por sua força e suas "vantagens enquadrar as tendências naturais à fragmentação e aos conflitos que costumam caracterizar o fato geográfico da vizinhança entre nações. Daí a importância de extrair lições de algumas dificuldades recentes. São dificuldades como sensíveis do ponto de vista político-econômico, mas de cuja recorrência poderá resultar a erosão da credibilidade e da eficácia do Mercosul. Nem todas elas foram solucionadas satisfatoriamente. Duas lições emergem da experiência recente. Á primeira é que são necessários mecanismos de consulta macroeconômica que permitam uma comunicação fluida è sistemática -não somente ocasional— entre os responsáveis pelas respectivas políticas econômicas, para atenuar o impacto de qualquer tentação aos; "fatos consumados". A segunda é que se requer institucionalizar a flexibilização do Mercosul, isto é, prever explicitamente válvulas de escape para situações de emergência econômica ou para dificuldades setoriais transitórias, que permitam enfrentá-las de acordo com procedimentos claros e com critérios objetivos apreciados pelo conjunto dos sócios, é não unilateralmente. Ambos os objetivos poderiam ser alcançados no marco de um protocolo adicional ao Tratado de Assunção, que desenvolva um compromisso do Mercosul que não foi traduzido em mecanismos operacionais, qual seja, o da coordenação de políticas macroeconômicas. Sem prejuízo de prever em tal protocolo objetivos de prazo-muito longo — como a idéia de uma união monetária-, poderiam ser definidos mecanismos estáveis orientados a limitar o alcance de eventuais disparidades macroeconômicas conjunturais e estabelecer medidas de emergência para "amortizar os seus efeitos.
O Mercosul exige, do mesmo modo, precisar com clareza as diferenças entre a sociedade plena e a mera associação. Se na prática não houvesse diferenças significativas, enfraquecer-se-ia um dos seus efeitos econômicos e políticos mais importantes - com seu conseqüente efeito-disciplina em matéria de políticas econômicas nacionais —, qual seja a da disciplina coletiva- entre os sócios. Perderiam sentido os custos que em termos 'de disciplina implica uma união aduaneira. Desfigurar-se-ia o Mercosul e careceria de eficácia em negociações comerciais internacionais, na Organização Mundial e Comércio (OMC); na Área de Livre Comércio das Américas (Alca) e com a União Européia. Debilitar-se-ia a idéia de uma relação especial. |