A qualidade das regras do jogo e das instituições em um
processo de integração como o do Mercosul diz muito aos
investidores sobre o grau de credibilidade que podem ter com respeito
ao mercado ampliado prometido pelos países-sócios.
Três funções têm que ser cumpridas em um processo
de integração voluntária entre nações
soberanas, como é o Mercosul, se é que se quer enviar sinais
claros aos mercados quanto a sua sustentabilidade a longo prazo. Lembremos
que a experiência histórica indica que a taxa de fracassos
em termos de integração é elevada. Os investidores
sabem disso. Quase nunca se trata de fracassos abertos, por exemplo, pela
ruptura do vínculo associativo, por um ou mais países, como
ocorreu com o Chile e o Grupo Andino. Mas é frequente o deslizamento
desse tipo de processo ao plano da irrelevância económica
e política. A Alalc e a Aladi são bons exemplos disso.
A primeira função é assegurar acesso irrestrito
aos respectivos mercados dos sócios. Só na medida em que
o direito a esse acesso esteja garantido por jurisdição
arbitral ou judicial podese gerar um quadro de previsibilidade para o
investidor, como o que se pode encontrar, por exemplo, quando se investe
em Portugal, em função do mercado alemão ou de qualquer
outro sócio da Comunidade, ou no México e no Canadá,
em função do mercado americano.
A segunda é a de assegurar a preservação dinâmica
da reciprocidade de interesses que sustenta o vínculo associativo
entre os sócios do Mercosul. Neste tipo de processo, os países
participam na medida em que prevejam mais lucros estando dentro do que
estando fora. Outra vez o caso Chile no Pacto Andino é um exemplo.
E a percepção de ganhos mútuos, o que explica, o
momento da fundação de um processo de interesses nacionais
e setoriais, em uma visão de conjunto de sentido estratégico
e de longo prazo.
A terceira é a de assegurar aos diferentes sócios o nivelamento
do campo de jogo. A permanência, por muito tempo, de assimetrias
artificiais pode distorcer as condições de concorrência
económica entre os sócios e erodir assim a legitimidade
interna do próprio processo de integração. Isto é
mais do que sério se existir uma assimetria natural pronunciada
no tamanho dos respectivos mercados. É em tomo dessas três
funções que se deve articular o debate institucional no
Mercosul. Na etapa inicial, as instituições existentes funcionaram
relativamente bem. Tratava-se, sobretudo, de criar interdependência
onde predominava a marginalização económica relativa
entre os sócios. Está-se entrando agora - como consequência
do próprio sucesso do Mercosul -em uma etapa mais difícil,
na qual cada vez mais o problema será administrar a interdependência,
a fim de impedir que a lógica da fragmentação acabe
superando a da integração.
Três enfoques seriam contraproducentes. O primeiro séria
o maximalista, que implica fazer estabelecimentos institucionais, por
exemplo, baseado no "modelo" europeu de alta complexidade e
de grande ambição. O segundo seria o imobilista, que implica
dizer que tudo está bem e que não há nada a fazer,
já que os governos podem administrar tudo e solucionar por negociação
direta qualquer conflito entre os sócios. O terceiro seria o convencional,
que implica encarar a questão com lugares comuns, conceitos confusos
que têm pouca precisão técnica, jurídica, política
ou administrativa. Um exemplo é a utilização do conceito
de "supranacionalidade", para indicar que os governos não
podem aceitar que o processo seja liderado por técnicos independentes,
"apátridas e irresponsáveis", como os chamava
no seu tempo De Gaulle aos "eurocratas". É bom para discursos.
Não para uma abordagem serena da questão.
Um enfoque funcional pode, ao contrário, centrar o debate em torno
de questões concretas essenciais à vitalidade e à
sobrevivência da integração, como um projeto relevante
para cada um dos sócios e com crédito para os investidores.
Nesta perspectiva, nem o imobilismo nem o maximalismo, nem o convencionalismo
parecem ser a resposta conveniente. Tal vez caiba explorar uma estratégia
de "metamorfose" gradual da atual estrutura institucional, a
fim de que, gradualmente, serviços técnicos comuns, e, em
alguns casos, órgãos jurisdicionais, possam assegurar aos
investidores que as três funções essenciais serão
devidamente garantidas.
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