Neste segundo semestre de 1996 cabe a Fernando Henrique Cardoso a presidência
'protempore' do Mercosul. A idéia de que um país e o seu
presidente coordenem as atividades durante um semestre mostrou-se positiva.
Não se trata de outorgar um mandato para uma liderança irrestrita
e inconteste. Trata-se, ao contrário, de assegurar uma função
de impulso político - além de coordená-las e ser
sede das reuniões - a fim de conseguir no período respectivo
um valor agregado no andamento da integração. E uma função
baseada na interpretação do consenso possível entre
os sócios. A idéia é que a integração
requer constante avanço na direção estratégica
prevista, dentro das margens às vezes estreitas que têm as
realidades concretas nacionais e internacionais. O período anterior
coordenado pelo presidente Menem permitiu obter valor agregado em pelo
menos dois planos prioritários. Um o da agenda sul-americana pelos
acordos com o Chile e com a Bolívia. Outro o da imagem política
com a assinatura da "cláusula democrática", importante
pelas dificuldades políticas no Paraguai.
Nos dois planos cabe à Presidência do Brasil completar a
tarefa. O acordo com o Chile deve entrar em vigência, e adquirir
igual valor jurídico ao Tratado de Assunção. O fato
de que este fora ratificado pelos respectivos congressos contribuiu para
sua legitimidade interna e sua credibilidade externa. Não haveria
argumento jurídico sólido para não proceder de maneira
idêntica no caso do acordo de San Luiz. Por sua vez, a cláusula
democrática teria maior efeito prático se adquirisse pela
ratificação parlamentar um valor jurídico semelhante
ao Tratado de Assunção. Caso contrário, seria difícil
extrair, em uma emergência institucional, as necessárias
conseqüências práticas em termos de suspensão
de direitos e obrigações, sem danificar a própria
imagem de consistência jurídica do Mercosul e dos seus sócios.
Em que planos prioritários cabem esperar agora valor agregado
do "semestre FHC"? Ao menos em três que estão relacionados
com características essenciais do Mercosul, e que contribuem para
a idéia de uma marca de valor internacional. São a legitimidade
interna, a legitimidade internacional e a solidez jurídica.
A legitimidade interna está relacionada pelo menos com duas necessidades:
a) a de preservar um quadro de ganhos mútuos para cada sócio,
o que requer propor avanços em questões substantivas como
a dos serviços e compras públicas; e b) a de aprofundar
o vínculo entre o Mercosul e a opinião pública, e
isso requer transcender às questões comerciais, impulsionando
temas vinculados com a estratégia de inserção econômica
internacional e de transformação produtiva setorial, assim
como aprofundar o trabalho conjunto na educação e no plano
social.
A legitimidade internacional está relacionada com a vinculação
do Mercosul à Organização Mundial de Comércio
(ÔMC). Como "global traders" interessa à Argentina
e ao Brasil o seu fortalecimento, especialmente na reunião ministerial
em Cingapura, assim como sua capacidade de monitorar acordos regionais
de integração e livre comércio. Dai a importância
de que o acordo com o Chile seja apresentado na OMC.
A solidez jurídica, essencial à eficácia do Mercosul
para atrair investimentos produtivos, está relacionada com: a)
a incorporação à ordem jurídica interna da
quantidade de compromissos que ainda não são cumpridos;
b) a concretização de regras do jogo que fazem o comércio
desleal, a proteção do consumidor e a concorrência
econômica; c) a garantia efetiva de maior aporte do Mercosul a nossa
realidade econômica, que é o direito irrevogável adquirido
ao acesso irrestrito (tarifa zero) aos respectivos mercados; d) a administração
racional, por meio de arbitragens independentes, dos lógicos conflitos
de interesse; e) a institucionalização da flexibilidade
para encarar, por meio de pautas preestabelecidas, a necessária
adaptação das regras do jogo a situações imprevistas
ou de emergências econômicas.
O semestre oferece oportunidades únicas para avançar. O
restabelecimento de condições dê crescimento econômico,
depois do pior do "efeito Tequila", impulsiona a aproveitar
um momento favorável que pode ser difícil de reproduzir,
à medida que os respectivos governos se aproximem do final dos
seus atuais mandatos.
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