Depois da Cúpula de Ouro Preto e do auge do período de transição, o Mercosul começa sua segunda etapa. Quatro fatores nos permitem ser otimistas: detonou-se uma dinâmica de liberação de energias sociais e econômicas difícil de frear; iniciou-se um ciclo expansivo da economia e do comércio mundial; a tendência é para o regionalismo aberto no marco da Organização Mundial do Comércio e existem expectativas fundamentadas de um forte crescimento econômico da principal economia da área, a do Brasil.
A nova etapa deveria concentrar-se em três prioridades estratégicas: consolidar o já adquirido, aprofundar o esforço conjunto de transformação produtiva e expandir a integração para potencializar as vantagens competitivas e negociadoras globais.
O já conseguido é muito, se levarmos em conta o ponto de partida, a frustração de experiências prévias e a instabilidade macroeconômica do Brasil, que não favorecia expectativas positivas por parte dos outros sócios com respeito à viabilidade da integração. A união aduaneira já é um objetivo alcançado, ainda que sejam necessários alguns anos para completá-la.
Mas o adquirido é necessário consolidar. Em parte é precário. Há muitas exceções que não estão com morte assegurada por instrumentos jurídicos imunes a pressões. Elas colocam em evidência, ao mesmo tempo, assimetrias originadas em políticas setoriais que desnivelam artificialmente o campo de jogo e insuficiências no esforço de ajuste empresarial para melhor competir.
Há ainda muitas restrições não-tarifarias — que segundo o Tratado de Assunção já deveriam ter sido eliminadas—e uma margem ampla para a aplicação de medidas comerciais unilaterais.
Duas dinâmicas opostas, a da reserva de mercado e a da abertura da competição econômica, continuam operando no Mercosul. É compreensível. Mas será um desafio a vontade política e a qualidade institucional conseguir desenvolver uma disciplina comercial coletiva, que evite que a propensão que ainda se observa a desarticular e a reservar mercados possa terminar desfazendo o bem público adquirido por empresários e consumidores, que é o direito ao acesso irrestrito aos respectivos mercados.
Frente à afirmação governamental de que agora "somos 200 milhões de consumidores", ao observar precariedades institucionais e nas regras do jogo, muitos investidores se farão legitimamente a pergunta: "somos realmente 200 milhões?"
Aprofundar o esforço conjunto de transformação produtiva será a tarefa central e a mais original da nova etapa. Implica enfocar o Mercosul em sua idéia estratégica central: superar o obsoletismo tecnológico que contribuiu, junto com a indisciplina macroeconômica, para a perda de competitividade de nossos países nos mercados mundiais, e as conseqüentes perdas de bem-estar para nossos cidadãos.
Será necessário desenvolver duas obsessões coletivas que devem se alimentar reciprocamente: a estabilidade fiscal e monetária e a busca da qualidade e da produtividade em todos os planos da vida pública e empresarial.
Os acordos setoriais não foram um instrumento suficientemente utilizado na primeira etapa do Mercosul. Deveriam ser resgatados de agora em diante, como um eixo do esforço comum de reconversão produtiva, transformando-os em um marco de sinergia governo- empresa- conhecimento que facilite o desenvolvimento de alianças empresariais, orientadas a obter ganhos de eficiência e produtividade e a penetrar conjuntamente mercados mundiais.
A expansão do Mercosul, conseqüência necessária da proposta estratégica que o justifica, requer trabalhar em dois planos complementares. Primeiro, o das negociações para obter fluidez e certeza no acesso a outros mercados, implica a idéia de um Mercosul de "múltiplas alianças".
Duas frentes de ação serão prioritárias: a) a consolidação e a ampliação da Rodada Uruguai no marco da Organização Mundial do Comércio e b) a extensão do livre comércio ao âmbito sul-americano e com o Nafta (México, Estados Unidos e Canadá), ao transatlântico —a União Européia- e finalmente, ao transpacífico — a Apec (Cooperação Econômica Ásia-Pacífico).
O segundo é o plano "trans-Mercosul". Implica a idéia de um Mercosul de "geometria variável", com esferas de ação específica extensivas a outros países. Áreas prioritárias deveriam ser: a potencialização de recursos humanos (questão social e educação); o transporte e a interconexão física nos eixos Atlântico - Pacífico; as redes de gasodutos e de interconexões elétricas, e os acordos setoriais de qualidade e produtividade. Chile, Bolívia e Peru são os primeiros sócios naturais da dimensão trans-Mercosul.
O fato de que em 95 se iniciem novos ciclos governamentais gera uma oportunidade única para que governos e empresários, políticos e acadêmicos debatam sobre como colocar definitivamente o Mercosul, como projeto político e estratégico, em uma onda de transformação que capte a imaginação popular e que contribua para aumentar o otimismo e a esperança necessários ao duro esforço social que nossos países ainda têm pela frente. |