Introdução.
Um novo enfoque para uma velha questão.
A idéia de integração econômica esteve presente na agenda latino-americana por várias décadas entre a Argentina e o Brasil, conforme se verifica de precedentes anteriores à criação, em 1960, da Alalc (Associação Latino-Americana de Livre Comércio), tais como a proposta de União Aduaneira que Federico Pinedo, então Ministro da Fazenda da Argentina, levou ao Rio em 1940.
Primeiro a Alalc, com seu objetivo de uma zona de livre comércio, e depois a Aladi (Associação Latino-Americana de Integração), como marco proporcioonador de esquemas parciais de integração e o objetivo mais distante e abrangente de um mercado comum latino-americano, balizam um caminho de mais de 30 anos em prol da integração econômica regional. O Grupo Andino, o Mercado Comum Centro-Americano e a Comunidade do Caribe são partes desta fase que já se pode denominar "histórica", carregada de caprichos, de mitologias (o retorno à unidade perdida), mas que, sem dúvida, deixou um resultado de realidades comerciais, assim como um efeito de aprendizagem acerca do que não é viável e factível na ambiciosa idéia de compartilhar mercados e recursos na região (Pena, 1988a; Guimarães, 1992; Rosenthal,1992).
A idéia também esteve presente na agenda interamericana, seja em forma positiva através da proposta americana de 1889 de uma união aduaneira contínental e até de uma estrada de ferro pan-americana, ou através do apoio aos planejamentos latino-americanos de integração nos anos da Aliança para o Progresso (1962) e da conferência de Punta dei Este (1967); seja em forma negativa na atitude das administrações americanas durante as décadas de 70 e 80, de grande desconfiança e até de resistência aos processos de integração que se tentavam desenvolver ao sul do Rio Grande. Em parte como resultado de sua experiência com o Grupo Andino, em particular com seu regime comum de investimentos estrangeiros (decisão 24), da criação da Sela em 1975 e do fenômeno sandinista nos anos 80, os Estados Unidos passaram a perceber os esforços de integração latino-americana dentro da perspectiva da Guerra Fria e, por conseqüência, passaram a atribuir-lhes um profundo sentido antiamericano, tanto no plano político como no econômico.
O lançamento da Iniciativa das Américas, o início das negociações do Nafta e a criação do Mercosul têm contribuído para colocar novamente o tema da integração econômica num lugar destacado das agendas interamericana e latino-americana na década dos anos 90.
A questão da integração reaparece então com toda a sua força, mas com enfoques diferentes em relação às tentativas anteriores, e estreitamente associada às questões mais amplas da competitividade e da democracia nas Américas, assim como da inserção de nossas nações em um mundo que tende aceleradamente a organizar-se em tomo de megamercados no âmbito, ainda incerto, das instituições e das regulamentações que podem finalmente surgir da atual Rodada Uruguai do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade).
Mas, sobretudo, reaparece com um certo distanciamento de concepções mais idealistas, quer sejam de aspecto latino-americano, quer pan-americano, ou de perspectivas próprias do que se tem chamado "hipotéticas racionalidades supranacionais". Não é que a idéia de América Latina, como realidade histórica e cultural, tenha perdido atualidade ou relevância nas presentes circunstâncias regionais. Mas chega-se a ela a partir do mais palpável, que é o nacional. Aceita-se, então, cada vez mais, que o foco através do qual se articula a análise e o posicionamento com relação ao fenômeno da integração, regional ou hemisférica, é o das racionalidades nacionais concretas, ou seja, dos interesses específicos de cada país. Menos romântico, é certo, porém mais prático, sem dúvida. Implica ademais uma importante conseqüência produtiva: a cada país cabe definir o que deseja obter de seus vizinhos mais próximos, regionais ou hemisféricos; por qual motivo deseja trabalhar junto com outros; até onde deseja chegar em sua aliança e em que condições lhe convém integrar-se ou manter-se dentro de um esquema de integração.
Dentro desta perspectiva pragmática, a pergunta correta que cada país deve formular-se e responder é: a) que significa, desde a perspectiva de seus objetivos no plano do poder e no do bem-estar, negociar sua inserção num espaço de integração econômica e, por conseqüência, política mais extenso e compartilhado por dois ou mais países; b) que metodologia de integração com outro ou outros países é a que melhor se ajusta aos interesses nacionais, e a visão que o país tem de sua inserção no sistema internacional global.
Entendo que, na atualidade, a integração na região e, em forma mais ampla, no Hemisfério, tem muita relação, na perspectiva dos países latino-americanos, ao menos os do Mercosul, com a função que se lhes atribui em referência aos objetivos de consolidar a democracia e de inserir-se competitivamente como nações em uma economia global organizada em torno de megamercados e blocos comerciais, incluindo a necessidade de adquirir suficiente massa crítica para poder negociar. Isto é, existe muita relação com a forma por que cada sociedade percebe sua própria transformação interna e sua inserção em um sistema internacional em profunda reorganização. Essa relação funcional explica a maior coincidência que em cada país se está observando entre sua agenda de questões críticas e a agenda de integração econômica. E é na medida em que esta relação funcional se mantenha ou cresça que a atual avaliação positiva da idéia de integração preservará no Hemisfério sua vitalidade.
O retorno da integração.
Alguns fatores que a explicam no caso da Argentina.
A integração no Mercosul com outros países sul-americanos no âmbito na Aladi e, em forma mais ampla, a inserção do país em um sistema de cooperação e integração de alcance hemisférico são prioridades atuais na política externa Argentina. Tais prioridades não são excludentes e, pelo contrário, supõem a ativa inserção argentina na economia mundial e, em particular, o interesse vital no fortalecimento do sistema multilateral do comércio internacional, a partir de um resultado positivo da Rodada Uruguai do GATT (Pena, 1992a).
Os seguintes são, em minha opinião, alguns fatores que explicam, no caso da Argentina, seu atual interesse na integração econômica regional e hemisférica (sem prejuízo da influência que todos ou alguns desses fatores também têm, de maneira diferenciada, sobre o caso dos outros países americanos e, em particular, aqueles do Mercosul):
1. Uma atitude tradicional, com profundas raízes históricas e na sociedade . civil a favor da integração com outros países, em especial com os do Cone Sul. Os grandes partidos políticos do país e seus líderes históricos têm sido sempre partidários da integração. Presidentes como Perón, Ulia, Alfonsín e Menem têm feito da integração econômica com os países vizinhos uma bandeira central de suas respectivas políticas externas. A integração regional, especialmente com a América do Sul, é uma idéia de consenso social, embora suas modalidades, rirmos e alcances possam ser objeto de discussão.
2. O aparecimento de uma cultura política nacional mais favorável à negociação e à competição, produto da recuperação democrática do país, assim como da vivência coletiva de experiências extremas, tanto internas como internacionais (a hiperinflação, a guerra e a subversão-repressão), que marcaram fortemente a sociedade civil, influindo na redefinição de valores, atitudes e comportamentos, tanto no plano político como no econômico (Pena, 1992a).
3. A reversão do signo da interdependência argentino-brasileira, de predominantemente cortflituoso a predominantemente cooperativo (Pena, 1988b), a partir do acordo tripartite (Argentina, Brasil e Uruguai) de 1980 e, especialmente, do encontro Alfonsín-Trancredo Neves em 1984, fatos que significam um marco no abandono do conflito como hipótese de trabalho permanente entre os dois países (Pena, 1981). A reversão do signo da interdependência conduz a uma leitura da relação bilateral mais centrada sobre os desafios comuns que suscita a realidade internacional.
4. A incidência do fenômeno da integração econômica como fenômeno mundial no comércio exterior argentino. O fato de que 70% das exportações e 83% das importações se realizam em quatro áreas de integração (Mercosul, Aladi, Nafta, e CE - Comunidade Européia) dá ao fenômeno, do ponto de vista da perspectiva argentina, uma grande relevância prática, transcendendo o interesse meramente acadêmico. Da evolução destes quatro esquemas de integração, assim como de sua interação, dependerão em boa parte o futuro próximo, as modalidades e os alcances da inserção argentina no comércio mundial. A questão da integração não pode ser então indiferente para a agenda internacional da Argentina.
5. As características de global trader (comerciante mundial) da Argentina,-devidas à forte diversificação de seu comércio-exterior. O Mercosul, embora potencialmente importante, representa apenas 14% das exportações atuais do país. O mercado americano representa outro tanto e o mercado comunitário europeu uns 30%. Pode-se também observar uma forte diversificação no que respeita aos fluxos de capitais e de tecnologias originados dos países da OECD, e em menor grau em relação à origem dos fluxos migratórios. Estas características explicam o interesse nacional pela questão da integração da economia argentina no mundo. E o fato dê que a economia global em que se insere a economia argentina tende a compartimentar-se em blocos resultantes de processos de integração repercute no interesse que o país encontra no desenvolvimento de seu próprio modelo de inserção através de blocos. Interesse que se acentuou recentemente como conseqüência da consumação da idéia de Europa 92, de Maastricht e de Nafta. Para um global trader, a integração regional aparece então como uma resposta natural aos desafios apresentados pela tendência mundial aos blocos e megamercados. Tem muito que ver com a necessidade de assegurar-se o acesso a grandes mercados, em épocas de protecionismo e de comércio administrado; com a conveniência de inserir-se nas redes de abastecimento de empresas que são competidores universais; com a capacidade para atrair investidores nacionais e estrangeiros, oferecendo-lhes mercados de maior escala e com capacidade para negociar com os outros megamercados as regulamentações da primeira , competição econômica mundial.
6. A perda de participação dos bens originados no país nas importações da OECD e a explicação deste fato pela relativa obsolescência tecnológica e conseqüente perda de produtividade da economia nacional, fenômeno por certo comum a outros países latino-americanos (Fajnzylber, 1990; Fajnzyl-ber, 1991; Cepal, 1992), que leva a estabelecer como tema central da agenda nacional o da competitividade em escala global e, em tal perspectiva, a revalorizar a integração econômica na região e no hemisfério como parte central de uma estratégia nacional para criar um núcleo internacional favorável ao esforço de competitividade.
7. A incerteza atual com relação ao futuro do sistema comercial internacional, como conseqüência dos lentos avanços que se têm produzido nas negociações da Rodada Uruguai do GATT, o que abre profundas interrogações sobre a viabilidade de um modelo de inserção "solitária" na economia global, sobretudo tendo em conta as recorrentes tendências ao protecionismo que se manifestam nas economias dos países da OECD.
8. A mudança de posição dos Estados Unidos em relação à integração econômica da América Latina em direção a uma atitude mais favorável. Esta é talvez uma das conseqüências práticas mais concretas da Iniciativa das Américas lançada pelo Presidente Bush em junho de 1990. Reflete-se na aceitação por parte de Washington do Mercosul como interlocutor válido no marco do acordo "4+1". A primeira atitude americana frente à proposta do Mercosul de celebrar um acordo-padrão de comércio e investimento, no qual os quatro países atuaram conjuntamente, foi de resistência. Logo, a posição se flexibilizou e o acordo firmado em Washington, em julho de 1991, refletiu então uma importante mudança americana em relação à integração entre países latino-americanos. Uma explicação mais profunda desta mudança se pode encontrar no ambiente mais propício para uma relação de cooperação hemisférica que se produz com o fim da Guerra Fria. Até então, e durante mais de duas décadas, as relações inter-americanas tinham sido afetadas pelo modelo rígido derivado da percepção que Washington tinha dos demais países em termos de "aliados" ou "adversários" (Pena, 1990b). Não havia muito espaço para nuanças nem se aceitavam "zonas cinzentas". No futuro cabe esperar um relacionamento mais fluido, delineado mais em termos da dinâmica "sócio-competidor" na perspectiva da competição econômica global (Thurow,1992).
O novo enfoque estratégico da integração econômica
A extroversão é o traço definitivo do atual planejamento estratégico da integração econômica na América Latina, isto é, depois de um grande período em que ela foi concebida para favorecer o crescimento do comércio intralatino-americano e em estreita associação com a estratégia de substituição de importações, hoje ela é concebida como um instrumento funcional para a idéia de capacitar-se a fim de competir em escala global (Pena, 1988c; Rosenthal, 1992; Porcile, 1992).
Na realidade, a evolução do planejamento estratégico começa a esboçar-se já a partir do fracasso da Alak e com o aparecimento de políticas mais agressivas para promover exportações industriais. A sucessão da segunda crise do petróleo, em primeiro lugar, e depois a crise da dívida contribuem para acelerar a busca de novos enfoques de trabalho conjunto entre os países latino-americanos para melhor competir e negociar em escala global. Num primeiro momento, todavia, o replanejamento estratégico tem um forte componente defensivo, como conseqüência dos efeitos da dívida externa (Pena, 1984). Mas já nas primeiras reuniões do Grupo do Rio começam-se a observar os elementos de mudança estratégica (Acapulco, 1987; Lima, 1988; e Buenos Aires, 1989). Isto tinha sido antecipado em trabalhos técnicos e acadêmicos, originados especialmente na Cepal (Comissão Econômica para América Latina), no Intal e no BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) (Massad, 1989; Esser, 1988; Fuentes e Villamieva, 1988; Pena, 1988 e Cepal, 1990); em 1990 está plenamente afirmado pelos países nos esquemas de integração sub-regional tradicionais e no lançamento do MercosuL
Alguns dos primeiros traços do-novo planejamento estratégico da integração latino-americana são, em minha opinião:
1. A criação de um núcleo externo favorável aos processos internos de consolidação da democracia, de transformação produtiva através da incorporação do progresso técnico, para obter fortes ganhos de produtividade e uma utilização mais eficiente de recursos naturais e humanos, e de inserção competitiva na economia global.
2. A ênfase em mecanismos automáticos e na desregulamentação das transações econômicas internacionais, a fim de limitar ã necessidade de atos governamentais e deixar aos agentes econômicos o desempenho principal na economia.
3. Um perfil de baixas taxas alfandegárias, eventualmente comuns, e a eliminação de restrições não-alfandegárias, a fim de estimular a competitividade internacional.
4. Um disciplinamento macroeconômico coletivo, baseado no controle das respectivas macroeconomias e orientado no sentido de criar condições estruturais de competitividade internacional.
5. Regulamentações estáveis e protegidas por mecanismos arbitrais ou jurisdicionais eficazes, especialmente em matéria de práticas desleais de comércio e restritivas da competição econômica (originados nos Estados ou nos agentes econômicos), que estimulem o investimento em função dos mercados ampliados.
6. O aproveitamento da maior capacidade de negociação econômica internacional que se obtém a partir do novo espaço econômico alcançado, a fim de incidir na definição de regulamentações internacionais que favoreçam a competitividade internacional de cada economia nacional.
7. A inserção de cada projeto de integração, no padrão mais amplo de uma estratégia de alianças econômicas internacionais múltiplas, de cada país e de suas respectivas empresas.
É óbvio que este novo planejamento estratégico está baseado nas realidades das profundas mudanças que se têm introduzido nas estratégias e nas políticas econômicas dos países latino-americanos nos últimos cinco anos, assim como na percepção das mudanças operadas na realidade econômica mundial. Supõe, além disso, compartilhar a idéia de que a receita nacional aumentará, na medida em que um pacto de integração, aberto ao mundo, facilite a competitividade internacional da economia, permita estimular políticas econômicas (e democracia), assegure as exportações frente a tendências protecionistas dos demais associados e contribua para o fortalecimento do sistema multinacional de comércio internacional (Schott, 1992; Lipsey, 1992; Rosenthal, 1992). E, ao conseguir tais objetivos, contribua para atrair investimentos, nacionais e estrangeiros, até a produção eficiente de bens e serviços comerdalizáveis internacionalmente, permitindo assim a geração de empregos necessários para alcançar maiores níveis de bem-estar e, por conseqüência, para consolidar a democracia. 9.4 O Mercosul depois da reunião de Las Leñas.
A criação do Mercosul corresponde ao novo planejamento da integração econômica na América Latina (Pena, 1991a; 1991&; 1992b; 1992c; 1992á; Barbosa, 1991; CEL 1992; Motta Veiga, 1992; Amorim, 1991; Azambuja, 1991, Hunt,1991).
É, em sua origem e em sua projeção futura, um projeto de indubitável raiz política e de conteúdo econômico. Conta com o respaldo da legitimidade democrática, expressa na aprovação parlamentar do Tratado de Assunção, sem que se tivesse manifestado oposição em nenhum dos quatro Congressos. De um modo geral, mantém o apoio inicial recebido, embora se proponham interrogações, por exemplo, acerca da viabilidade dos prazos (Frigerio, 1992). Poucos questionam frontalmente as estratégias e, em tal caso, não contradizem a idéia de integração entre a Argentina e o Brasil, mas sua ampliação com o Paraguai e o Uruguai e o fato de terem sido mudados os mecanismos originalmente introduzidos no programa bilateral-Picab (Programa de Integração e Cooperação entre a Argentina e o Brasil) (Guimarães, 1992).
Algumas chaves para entender a lógica interna do planejamento do Mercosul, assim como para opinar sobre sua viabilidade, são:
1. O processo não se inicia com a assinatura do Tratado de Assunção. Significa, pelo contrário, continuar no caminho iniciado com o Tratado de Montevidéu, de 1960, e em seguida com o assinado em 1980. Beneficia-se do acervo preferencial de cooperação aduaneira e dos mecanismos de pagamento acumulados pela Alalc e pela Aladi. Continua com os mecanismos que surgem do Programa de Integração e Cooperação entre a Argentina e o Brasil, iniciado em 1985, e de seus 24 Protocolos, que ficam todos incorporados ao Acordo Complementar nro.14, celebrado no marco da Aladi, logo depois de firmado o tratado bilateral de integração em 1988. São todos instrumentos hoje vigentes, e muitos deles funcionarão junto com o Tratado de Assunção, para os dois países, durante o período de transição.
2. O processo tampouco pretende acabar em 31 de dezembro de 1994, isto é, ao término do período de transição. Com a Decisão nro. 2/92, aprovada em Las Leñas, foi reafirmado, no mais alto nível político, que a partir de 1 de janeiro de 1995 será necessário ainda continuar com a adoção de medidas que assegurem o pleno "funcionamento" do mercado comum. Que é então que se espera ter em 1995? Sem dúvida que a União Aduaneira (Tratado de Assunção mais Decisão nro 1/92 - Cronograma) e a necessária coordenação de políticas macroeconômicas e de legislações. E as bases constitutivas do mercado comum. Mas, muito provavelmente, será necessário desde já percorrer um longo caminho para aperfeiçoar em todos os seus elementos o mercado comum - por exemplo, naquilo relacionado à livre circulação de fatores de produção e ao direito de estabelecimento. O mesmo ocorreu na Europa, onde em 1968 a Comunidade já tinha alcançado as metas que, em matéria de união aduaneira, se perseguem para fins de 1994 no Mercosul, e onde mesmo depois de 1 de janeiro de 1993 deverão continuar aperfeiçoando o mercado único.
3. Sem prejuízo da importância política e econômica da participação do Paraguai e Uruguai no Mercosul, este está fortemente influenciado em seu enfoque e metodologia pelo fato de tratar-se da associação entre dois global'traders que, como foi mencionado anteriormente, têm um 'comércio altamente diversificado. A interdependência econômica intra-Mercosul é, em termos relativos, marginal. Os interesses econômicos da Argentina e do Brasil estão e provavelmente continuarão a estar por muito tempo ainda vinculados com a economia mundial e, em especial, com as economias dos países da OECD. Esta é uma diferença fundamental entre o Mercosul e todos os demais países latino-americanos (exceto Chile), cujo comércio exterior e a origem de seus investimentos os vinculam estreitamente à economia americana. No caso do México, por exemplo, 70% de suas exportações se destinam aos Estados Unidos. Essa percentagem contrasta com os 20% do Brasil e os 14% da Argentina.
3. Como conseqüência do exposto anteriormente, o Mercosul não pretende estabelecer uma relação exclusiva nem excludente entre seus sócios. A utilização única dos mercados internos dos demais sócios não é a motivação do Mercosul. Não é tampouco somente um instrumento de expansão do comércio bilateral. É basicamente para cada um dos sócios um elemento - de importância fundamental - de suas respectivas estratégias para introduzir-se competitivamente em todos os mercados mundiais, especialmente naqueles da OECD. Vale dizer, é parte de estratégias nacionais de alianças múltiplas com vistas ao cenário mundial. Daí decorre que a definição política sobre o comércio exterior comum é no sentido de que não deve ter taxas elevadas e sim facilitar a competitividade internacional de cada uma das economias dos sócios.
4. É uma resultante e não uma causa, no contexto de que, soberanamente e sob a égide da legitimidade democrática, cada um dos quatro países decidiu previamente - independentemente do fator Mercosul - consolidar suas democracias, transformar suas economias e inserir-se competitivamente na economia mundial. São esses três processos internos, intimamente entrelaçados, qüe explicam e sustentam a aliança Mercosul. Concebida assim, é uma aliança de competitividade entre lihe minded countries (nações com a mesma vocação), que optaram pela superação da obsolescência tecnológica para competir no mercado mundial, sustentando assim os requisitos do bem-estar de suas populações a fim de consolidar seus processos democráticos. É a resultante da opção pela sociedade aberta (Dahrendorf, 1990) através da vigência progressiva das instituições democráticas, do Estado de Direito, do mercado e muito provavelmente de um capitalismo solidário, mais próximo do japonês, do renano ou comunitário do que do capitalismo individualista anglosaxão (Lodge, 1990; Albert, 1991; Thurow, 1992). Em sua forma atual, o Mercosul é viável nos prazos e com as modalidades estabelecidas, na medida em que se mantenha a.vitalidade dos processos internos que o sustentam. De tais processos, a manutenção da democracia e o estabelecimento de condições estruturais de competitividade internacional - o que supõe o controle dos desequilíbrios macroeconômicos - são os dois fatores que mais poderão influenciar na evolução futura do Mercosul.
5. As motivações centrais do Mercosul - competitividade e democracia - e o caráter de global trader das duas principais economias da área explicam também a influência que terão na futura evolução do processo de integração e, em particular, em seu grau de abertura externa, fatores vinculados com a evolução das relações econômicas internacionais a nível mundial, entre os quais merecem atenção especial: o comportamento das economias da OECD; os resultados da Rodada Uruguai do GATT; a evolução que se venha a produzir nas políticas agrícolas e nas tendências protecionistas dos países da OECD; e as características finais do Nafta e sua incidência no comércio dos países do Mercosul com os Estados Unidos, mas também com o México e o Canadá.
6. Á atração de investimentos como aspecto principal da estratégia de competitividade através do Mercosul, oferecendo aos investidores nacionais e estrangeiros um espaço econômico ampliado com acesso à economia mundial; possibilidades de desenvolver vantagens competitivas nos mercados mundiais; condições macroeconômicas apropriadas e legislação econômica de qualidade internacional. Ao imaginar o Mercosul a partir da ótica do investidor, compreende-se a importância que se tem atribuído à qualidade dos indicadores do mercado que se manifestam no Tratado de Assunção e nos instrumentos jurídicos dele derivados (decisões do Conselho e resoluções do Grupo Mercado Comum), e em particular a importância atribuída ao mecanismo de solução de controvérsias estabelecido pelo Protocolo de Brasília (Daverede, 1992).
A agenda do Mercosul no restante do período de transição é muito extensa. Em Las Leñas (Segunda Reunião do Conselho do Mercosul, julho de 1992), com a aprovação do Cronograma avançou-se muito na ordenação dos trabalhos futuros. Agora se conta com um verdadeiro plano de ação que
complementa a vigência dos mecanismos automáticos de liberação alfandegária, que estão funcionando plenamente e que seria muito difícil de interromper (seria necessária a modificação por consenso do Tratado de Assunção e sua posterior aprovação pelos Parlamentos).
Os empresários dispõem agora não somente de um amplo espectro de regulamentações (além daquelas incorporadas no Tratado estão as pautas para os acordos setoriais), mas também contam com a possibilidade de aferir os avanços no plano de ação incorporado ao Cronograma.
No mais alto nível político, os presidentes reafirmaram em Las Lenas sua convicção de que as metas do Mercosul são factíveis de cumprimento. Não pode restar nenhuma dúvida aos agentes econômicos no sentido de que os governos estão trabalhando sobre a hipótese da irreversibilidade do processo e a não-modificação dos prazos. Isto se explica pelo fato de que, por sua natureza, é na credibilidade sobre a vontade política e sobre a viabilidade do cumprimento dos prazos que reside a chave do principal êxito do Mercosul, que seria precisamente a atração de investimentos para as atividades produtivas nos quatro países, como conseqüência do efeito cumulativo das trocas econômicas internas, da estabilidade política e da ampliação do espaço econômico. Somente num clima razoável de credibilidade se pode extrair todo o potencial que significa, para competir com outros países na atração de investimentos, o fato de que as economias do Mercosul têm um produto interno bruto da ordem de US$ 500 bilhões e um mercado potencial de quase 200 milhões de habitantes.
As dificuldades que se defrontam são enormes. Muitas são resultantes dos próprios processos internos de consolidação da democracia, de transformação produtiva e de inserção competitiva nos mercados mundiais. O Mercosul, quando muito, pode ajudar a encará-las atuando, em certa medida, como um embrião de disciplina coletiva, econômica e política. Como todo processo de integração, à medida que avança e que aumenta a interdependência real se reduz o espaço para os voluntarismos e as divergências dos sócios. Mas isto leva tempo.
Na medida em que sè mantenham a vigência e a vitalidade dos processos internos que sustentam a estratégia do Mercosul, irá se acentuando a coordenação macroeconômica de fato e, então, será mais prático atacar o problema de assimetrias econômicas que atualmente afetam a competitividade relativa de cada economia, gerando em alguns casos fortes resistências internas ao Mercosul: Embora isso ocorra, será necessário que cada país recorde que a finalidade do Mercosul não é praticar o que se tem denominado com acerto o "canibalismo econômico".
Em tal perspectiva será altamente recomendável que, em particular, as economias maiores em relação às menores pratiquem ações conjuntas governo-empresas, uma disciplina que iniba um aproveitamento exagerado de situações criadas por disparidades circunstanciais de políticas macroeconômicas. Certamente o Tratado de Assunção e, em particular, o ACE14, que mantém toda a sua vigência entre a Argentina e o Brasil durante o período de transição, prevêem mecanismos tais como o das cláusulas de salvaguarda que eventualmente podem ser aplicadas quando surgem os requisitos para tal. Mas, não obstante, pode ser mais eficaz uma prática combinada de restrições voluntárias transitórias, até que se avance na coordenação macroeconômica e se desenvolvam na plenitude múltiplos acordos setoriais que deverão celebrar-se durante o período de transição.
É precisamente a cooperação industrial e científico-tecnológica que deverá dominar de imediato a agenda quadripartite do Mercosul, se é que o foco da competitividade em escala global, a partir da incorporação do progresso técnico, realmente se preserva como a razão de ser principal do processo de integração. Três vias de trabalho conjunto estão abertas nesse sentido. As três necessitarão de uma ação mais enérgica de governos e empresários no futuro imediato. A primeira é a dos acordos setoriais, dos quais somente se aprovou um até julho de 1992, que é o siderúrgico (além daqueles que provêm a nível bilateral do período do Picab, como o automotivo). A segunda é a do programa de competitividade e produtividade, iniciativa brasileira em Las Leñas e ao qual se terá que dar agora conteúdo concreto. E a terceira é a da reunião especializada de Ciência e Técnica, que permitirá retomar um eixo, o da cooperação científica e tecnológica, que fora central no período do Picab.
Na perspectiva dessas três vias de trabalho, assim como da administração dos problemas conjunturais que se apresentarão naturalmente com o crescimento do intercâmbio comercial, parece também fundamental implementar o início de funcionamento do Conselho Industrial do Mercosul, criado em dezembro de 1991 pelas organizações industriais de cúpula dos quatro países.
Finalmente, a percepção externa do Mercosul corno interlocutor válido, efeito da credibilidade crescente de seus resultados, tem-se refletido recentemente no interesse despertado na Comunidade Européia. A reunião de Ministros de Relações Exteriores da Comunidade e do Mercosul, celebrada em Guimarães, Portugal (maio de 1992), parece ser o começo de um caminho que pode conduzir no futuro a alguma forma de associação entre os dois megamercados. Foi logo ratificado na cúpula comunitária de Lisboa (junho de 1992). O fato de que 70% do estoque dos investimentos de origem européia na América Latina estão concentrados no Mercosul não é indiferente ao interesse político da Comunidade. A isto deverá somar-se o importante desempenho que ambos os blocos poderão ter no futuro, na previsível e forte competição econômica entre megamercados (Thurow, 1992).
E a Aladi?
É quase um lugar-comum assinalar a inoperância da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi). Não obstante, acho prudente não subestimar a utilidade de um mecanismo que já existe, que seria difícil politicamente eliminar e que inclusive é oneroso para os governos manterem.
É fácil constatar o que não é a Aladi: não é um pacto que contenha compromissos firmes de integração comercial e econômica entre seus países-membros, em contraposição ao que era a Alalc. Inclusive o objetivo de longo prazo, o estabelecimento de um mercado comum latino-americano, aparece como difuso e impreciso.
Em troca, é um marco, capaz de desenvolver ações de integração entre todos ou alguns de seus membros, de uma forma compatível com o GATT (por efeito da "cláusula de habilitação" explicitamente mencionada no Preâmbulo do Tratado de Montevidéu de 1980). Como tal, define alguns princípios, reconhece instrumentos e procedimentos para sua utilização e contém um mínimo de regulamentações, como as da cláusula da nação mais favorecida para bens (art. 44) e capitais (art. 48).
Além disso, presta serviços que têm valor para a expansão do comércio e para a integração econômica: o mecanismo de pagamentos que funciona em seu âmbito, de grande utilidade prática; a cooperação aduaneira; as estatísticas; o registro de todos os acordos celebrados pelos países-membros sob a égide do Tratado; as reuniões empresariais.
O Mercosul foi criado no âmbito da Aladi e por isso foi legítimo apresentá-lo no GATT através da cláusula de habilitação. Está incorporado como acordo de complementação econômica (ACE 18). Seus acordos setoriais também são protocolizados na Aladi, assim como seus principais instrumentos operativos. Ademais, durante o período de transição do Mercosul continuam em vigor os acordos bilaterais que se celebraram anteriormente, como o PEC entre o Brasil e o Uruguai; o Cauce entre a Argentina e o Uruguai, e o ACE 14 entre Argentina e o Brasil. Inclusive no âmbito desses acordos bilaterais, poderia ser mais fácil resolver problemas comerciais que se originam no Mercosul mas que envolvem somente dois dos países-membros. Assim, a cláusula de salvaguarda que a Argentina impôs a alguns produtos do setor papel, originários do Brasil, foi aplicada no âmbito do ACE 14.
Todos os acordos preferenciais, celebrados ou que se celebrem pelos países do Mercosul com outros países-membros da Aladi, também estão amparados pelo tratado de Montevidéu de 1980. O mesmo ocorre com os múltiplos acordos, praticamente dezenas, que foram celebrados ou estão celebrando os outros países, entre os que se destacam por seu impacto relativo os do Grupo Andino, o da Zona de Livre Comércio entre o Chile e o México, e os do Grupo dos 3 (Colômbia, México e Venezuela).
O valor prático do marco jurídico e institucional da Aladi é, portanto, significativo. Permite de concreto: a) manter uma visão de conjunto mínima dos esforços de integração entre os países latino-americanos; b) preservar uma disciplina coletiva na concessão de preferências comerciais na região através de regulamentações que asseguram uma certa transparência e geram obrigações para os demais sócios, em particular as da cláusula da nação mais favorecida; e c) compatibilizar a rede regional de acordos preferenciais com o GATT por meio da cláusula de habilitação.
A situação que pode apresentar-se com a participação do México no Nafta, isto é, a concessão de preferências a países não-membros fora dos mecanismos explicitamente previstos pelo Tratado de Montevidéu em 1980, está explicitamente resolvida pelo seu art. 44: estabelece que; de forma imediata e incondicional, qualquer vantagem seja estendida aos demais países-membros.
Abrem-se, assim, ao menos três opções frente à realidade concreta da incorporação do México ao Nafta e ao fato de que na lógica da Iniciativa das Américas outros países-membros da Aladi poderão logo negociar também seu acesso ao Nafta ou a conclusão de úm acordo de livre comércio com os Estados Unidos ou com o Canadá. Estas opções parecem ser: a) que efetivamente se estendam as vantagens aos demais sócios da Aladi; b) que o México ou outros países que no futuro contemplem situações semelhantes denunciem o Tratado de Montevidéu de 1980; ou c) que os sócios aceitem renegociar o Tratado para adaptá-lo às novas circunstâncias.
Sem prejuízo da validade de outras opções, parece conveniente avaliar detidamente a terceira opção. É um fato que a adesão do México ao Nafta torna difícil a concretização do objetivo de longo prazo da Aladi, que é o de um mercado comum latino-americano. Talvez este objetivo fique limitado a sub-regiões ou ao âmbito de onde historicamente se originou, que é o da América do Sul. Além do mais, a idéia de estabelecer um sistema hemisférico de livre comércio conduzirá necessariamente a multiplicar situações como a que atualmente se apresenta em relação ao México. E, finalmente, outros países - pór exemplo, os do Mercosul - poderiam também no futuro estar interessados em concretizar acordos dê conteúdo comercial não apenas no âmbito hemisférico, mas também com outros países da OECD, e, em particular, com a Comunidade Européia.
A integração hemisférica: uma idéia em busca de definições
Dois anos depois de seu lançamento pelo. Presidente Bush, em junho de 1990, a idéia de um sistema hemisférico de livre comércio continua ainda imprecisa. Vale dizer, seu perfil não está ainda definido. Talvèz isto seja uma vantagem, pois permite que seu perfil definitivo resulte de um processo crescente de consultas e negociações (diplomacia "bola de neve"), no qual incidirá o efeito cumulativo da própria dinâmica da transformação econômica em curso na América Latina, dos acordos sub-regionais.que.sé forem concretizando e das negociações multilaterais no seio do GATT.
O certo é que a Iniciativa contribuiu para estimular um debate em escala hemisférica sobre a organização futura das relações econômicas"inte-ramericanas (Pena, 1991c; Cari, 1991; Fiel, 1992; Saborio, 1992; Morem; 199). Isto é, por si só, um efeito altamente positivo para as relações entre países que nas últimas duas décadas não tinham tido muitas oportunidades para debater construtivamente, e em âmbitos não necessariamente governamentais (por exemplo, acadêmicos e empresariais), a melhor forma de cooperar e integrar-se - seminários e reuniões técnicas convocadas durante o ano de 1992, entre outros, pelo programa BID-Cepal, pelo Conselho Argentino para as Relações Internacionais (Cari), pelo Overseas Development Council (ODQ e pelo Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas contribuem sem dúvida para aprofundar o debate sobre a questão.
Sem prejuízo de outros, é possível ressaltar alguns resultados já produzidos pela Iniciativa.
1. Põe de manifesto um novo interesse dos Estados Unidos pelos seus vizinhos latino-americanos e uma reversão da anterior atitude de frieza ou de recusa direta da idéia de integração econômica regional. Este interesse promana do fim da Guerra Fria e.dos efeitos que ela produzia sobre as relações interamericanas; da nova imagem latino-americana na comunidade de negócios dos Estados Unidos, como conseqüência da chamada "revolução silenciosa"; do crescimento das exportações americanas para a região; e da percepção das sérias dificuldades para obter os resultados esperados pelos Estados Unidos na Rodada Uruguai. A Iniciativa contribui para a revalorização da região nos círculos de negócios dos Estados Unidos como âmbito propício para investimentos diante de alternativas de mais riscos e mais difusas, como podem ser as do Leste Europeu. Projeta a imagem de um grande mercado futuro, que já na atualidade supera os 700 milhões de habitantes e os US$ 7 trilhões do produto bruto hemisférico; que representa 44% do produto mundial, 39% do produto industrial mundial, 41% do comércio mundial e 14% da população do mundo.
2. Abre a possibilidade de travar um diálogo mais sistemático e construtivo entre os países da região e os Estados Unidos em torno das principais questões vinculadas aos fluxos de comércio e de investimento. Para isso podem ser úteis os mecanismos de consulta estabelecidos através dos "acordos-padrão de livre comércio", entre os quais se sobressai - por seu significado potencial - o denominado "4 + 1", celebrado entre os Estados Unidos e os quatro países do Mercosul e cujo Conselho Consultivo já se reuniu em duas oportunidades.
3. Cria mecanismos de financiamento adicional através do Banco Interamericano de Desenvolvimento que, uma vez estejam efetivamente em pleno vigor, poderão significar uma contribuição positiva ao esforço de transformação produtiva e de competitividade dos países latino-americanos.
4. Permite inserir as negociações do Nafta em um modelo mais amplo e presta uma contribuição tal que no México não se consideram essas negociações como opção entre suas relações latino-americanas e sua inserção norte-americana (Guimarães, 1992).
5. Expressa a vontade política dos Estados Unidos de contemplar novas negociações de livre comércio, uma vez que se concluam e aprovem pelo Congresso aquelas do Nafta.
Desde o lançamento da Iniciativa os países latino-americanos têm adotado uma atitude positiva frente a este conceito. Houve uma tendência a considerá-la como uma idéia que, bem desenvolvida, podia efetuar uma notável contribuição à necessidade de criar um núcleo externo favorável à democracia e à competitividade em cada um dos países. Como a proposta foi vaga, as respostas também foram vagas.
O interesse relativo dos países tem variado com a percepção dos eventuais benefícios. A idéia de livre comércio com os Estados Unidos não produziria necessariamente efeitos significativos em todos os países. Um exercício de simulação realizado por funcionários do Banco Mundial sobre os efeitos de curto prazo da remoção de barreiras ao comércio, no contexto de acordos de livre comércio de países latino-americanos com os Estados Unidos, indicaria que o potencial para expandir as exportações latino-americanas seria menor que o imaginado, e que somente em um numere-muito limitado de países (México e Brasil) poderia haver um impacto mais significativo (Erzan e Yeatts,1992).
Assumindo o interesse pelo desenvolvimento do conceito de um sistema hemisférico de livre comércio, o qual indubitavelmente se acentuará quando o congresso americano aprove o Nafta, a agenda política, econômica e técnica para o debate e negociações futuras será incontestavelmente ampla. Estará fortemente condicionada, entre outros fatores, pela evolução futura do GATT e da economia americana, especialmente por sua capacidade efetiva para operar como "locomotiva" da mudança econômica do Hemisfério.
Porém, uma questão aparece desde já como crucial em tal agenda. Ela se refere à "arquitetura" do sistema hemisférico de livre comércio. Dois modelos aparecem no horizonte (Schott, 1992; Lipsey, 1992). Um é o do húb and spóke (eixo e raios), que pode resultar da ampliação do Nafta seja através de aditamento ou de acordos de livre comércio que cada país ou grupo de países celebre com os Estados Unidos (Schott, 1992). O outro é o do tecido ou rede de acordos, o que se tem denominado o "regionalismo plurilateral" (Lipsey, 1992).
Em termos práticos, no primeiro modelo o "eixo" do sistema hemisférico seria o mercado americano, e não necessariamente os "raios" estariam conectados entre si. É. um modelo que pode ser vantajoso para os Estados Unidos, por ser precisamente o principal mercado da área, e para os países que têm uma forte interdependência comercial com o mercado americano. Mão parece, todavia, muito atraente para aqueles países, como os do Mercosul, que são global traders e têm, conseqüentemente, um comércio exterior global e diversificado. Por outro lado, existe o temor de que as condições de acesso ao hub sejam fixadas unilateralmente em cada caso concreto e se transformem eventualmente em instrumentos de jacto de discriminação comercial e de pressão política.
No segundo modelo, o sistema hemisférico resultaria da interconexão dos diferentes acordos sub-regionais que se vão desenvolvendo no hemisfério. Estes se podem conectar entre si através de acordos cruzados de livre comércio e através de vasos comunicantes que resultem de uma padronização de pautas e normas básicas nos acordos regionais, tais como os requisitos de origem, as cláusulas de salvaguarda, as normas técnicas, os mecanismos de solução de controvérsias e as regras destinadas a preservar as condições de competição econômica e a evitar as práticas desleais de comércio.
Este segundo modelo parece mais adaptado aos interesses dos países do Mercosul, tendo em conta a intensidade de suas relações econômicas e comerciais com os países latino-americanos, especialmente os da América do Sul, e seu caráter de global traders. Por sua gravitação econômica relativa e pelo fato de que neles participam as duas principais economias da área, parece natural que a construção da rede de acordos hemisféricos dependa em grande parte do diálogo e das negociações que se travem entre o Nafta e o Mercosul.
A experiência da Aladi, com o marco institucional para uma coexistência disciplinada de acordos de "alcance regional" (nos quais participam todos os sócios) e diferentes modalidades de acordos "de alcance parcial" (dos quais participam somente alguns dos sócios) e em que existem serviços de secretaria e monitoramento comuns, pode servir de base para um "acordo guarda-chuva" de alcance hemisférico. Este acordo poderia conter os princípios básicos do livre comércio hemisférico e um mecanismo institucional mínimo que assegure algumas funções comuns a todos (monitoramento, transparência, estatísticas, informação comercial, solução de controvérsias). Inclusive este mecanismo institucional mínimo poderia sustentar-se em estruturas atualmente existentes no sistema interamericano e na América Latina. Deveria conter ainda regulamentações para a coexistência dos acordos sub-regionais e para a eventual celebração de "códigos de conduta" em áreas de interesse comum (a idéia antes expressa de "vasos comunicantes").
Como em toda associação econômica e processo de integração entre países que preservam sua soberania, uma disciplina coletiva em matéria de políticas macroeconômicas não só é indispensável complemento das recíprocas aberturas de mercado como também, ademais, poderia constituir por si mesma o efeito mais benéfico de esquemas como o sistema hemisférico de livre comércio, Nafta ou Mercosul. Este último é dificilmente viável, em sua modalidade atual, se esse efeito disciplinar das políticas econômicas não for conseguido em prazos razoáveis, certamente antes que termine o período de transição. É um fato estabelecido nos compromissos que os quatro sócios assumiram no Tratado de Assunção.
É talvez este o traço dominante do conceito de quality free-trade área ou comprehensive free-trade área (Schott, 1992), que agrega às categorias mais tradicionais (art. XXTV do GATT) os elementos de códigos de conduta macroeconômica e de regulamentações e legislações econômicas de "qualidade internacional", atrativas para os investimentos de competidores globais, ou seja, agentes econômicos que delineiam sua estratégia a nível mundial. Em certa medida, essa nova categoria pode tornar irrelevante na prática a distinção originada na existência ou não de tarifas externas comuns, pois em todo caso o objetivo de atrair investimentos dos competidores globais e de adquirir níveis adequados de eficiência e de competitividade internacional conduz à definição de um perfil de tarifas externas baixo, seja este comum ou não.
A coexistência de distintos acordos sub-regionais num marco hemisférico comum se veria facilitada precisamente pelo fato de que, além das diferentes metodologias de trabalho em comum ou de integração entre um grupo de economias nacionais, todos partilham os riscos característicos de uma quality free-trade área (zona de livre comércio).
Este enfoque, que em minha opinião já está ocorrendo no Hemisfério, facilita a compatibilização do regionalismo com o multilateralismo a nível global no âmbito do GATT. Como se tem com razão assinalado, é de interesse dos países da região, em especial dos que são global traders como os do Mercosul, que o regionalismo hemisférico seja "GATT-plus" e não "GATT-minus".
Este é o critério que tem prevalecido no Mercosul quando se optou por uma liberação a zero de todo o universo tarifário e o estabelecimento de uma tarifa externa comum que favoreça a competitividade internacional de suas economias. E também predominou este critério quando se decidiu sua apresentação no GATT através da "cláusula de habilitação" por entender: a) que se está exercendo um direito adquirido nas negociações da Reunião de Tóquio; b) que se contempla a realidade jurídica e econômica da inserção do Mercosul no sistema da Aladi; e c) que se garante a transparência (informação escrita circunstanciada) e os direitos que o contrato do GATT outorga a todas as Partes Contratantes, incluindo tanto os do art. XXTV como os da cláusula de habilitação, parte esta última do tratamento diferenciado para países em desenvolvimento.
Também esse critério deveria levar todos os países hemisféricos que sejam Partes Contratantes do GATT a favorecer uma reconsideração em profundidade dos mecanismos tendentes a assegurar, no GATT, a necessária conciliação entre o regionalismo com o princípio de não-discrirninação e o tratamento favorecido, eixos centrais da relação contratual que assegura um comércio mundial mais livre e aberto (Schott, 1992; Jackson, 1992).
Conclusões
Mais que como realidades opostas, regionalismo e multilateralismo global aparecem nas Américas como fenômenos conciliáveis.
Ambos são percebidos desde o foco dos esforços nacionais de consolidação da democracia, de transformação produtiva e inserção competitiva na economia global. Ambos se relacionam estreitamente à necessidade de cnar um habitat externo favorável à modernização e à competitividade que permita atrair tecnologias e investimentos produtivos. Ambos supõem então o retomo do crescimento.
Não existe um modelo único de integração econômica. A metodologia a empregar, os ritmos e os prazos dependerão em grande parte do tipo de disciplina coletiva que os associados considerem possível conciliar e da velocidade que queiram imprimir a seus própios esforços de transformação econômica.
Tampouco parece haver espaço no mundo atual para alianças econômicas excludentes e exclusivas. A. globalização da economia mundial conduz os países, especialmente os que já são global traders, a tratar de maximizar as vantagens competitivas que desenvolvam em todos os mercados possíveis. Certamente que os da OECD são os mais apreciados por todos os competidores. Dentro desta visão globalizante, a integração regional não pode transformar-se num fator retrógrado. Terá vitalidade somente no caso em que sirva para alavancar as mudanças internas e a inserção competitiva no mundo.
No caso da Argentina e, muito provavelmente no dos outros países do Mercosul, é nesta tripla perspectiva do centro nacional da democracia e competitividade e da inserção múltipla na economia global que se deve colocar a análise e a ação referidas à integração no Mercosul e nas Américas.
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