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  Félix Peña

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  Revista Politica Externa | Septiembre de 1992

Mercosul: Pré requisitos políticos e económicos da integraçao


Gostaria de formular algumas reflexões sobre o tema desta tarde: "Pré-requisitos políticos e económicos para a integração económica". Gostaria de fazê-lo da perspectiva pessoal de alguém que está acompanhando o processo de integração económica na América Latina, mais concretamente no Mercosul, como cidadão de um dos quatro países participantes, cuja economia é de tamanho relativamente menor que a do Brasil.

Digo isso porque algumas das reflexões que vou propor são peculiares à perspectiva de um país que toma a decisão de desenvolver um processo de integração com outro que tem uma economia relativamente maior, e isso faz com que nosso caso tenha alguns elementos semelhantes, comuns aos que se podem propor na relação entre Canadá e Estados Unidos, México e Estados Unidos, Espanha e a CEE, Hungria e a CEE.

Em segundo lugar, para procurar entender os pré-requisitos políticos e económicos de um processo de integração económica, é preciso colocar-se da perspectiva de cada um dos países que participam ou decidem participar de um processo de integração económica. Se procurarmos entender, por exemplo, o Free Trade Agreement entre o Canadá e os Estados Unidos, as conclusões serão muito diferentes se observarmos á questão da perspectiva do Canadá ou da perspectiva dos Estados Unidos.

Apenas constato que são diferentes, não que uma é melhor que a outra. Mas não há uma perspectiva supranacional; não há uma perspectiva do Free Trade Agreement, da CEE, do Grupo Andino ou do Mercosul: o que há são perspectivas do Brasil, da Argentina, do Canadá, dos Estados Unidos. Isso é importante tanto do ponto de vista prático, quanto do ponto de vista teórico.

De modo geral, tem-se abusado muito, na teoria da integração, de uma perspectiva que teoricamente pode ser válida, mas que não existe na realidade histórica: a hipotética "racionalidade supranacional" que leva a dizer que "o que é bom para a Comunidade é bom para seus membros", "o que é bom para o Mercosul é bom para seus membros". A única perspectiva real que existe é a das realidades históricas nacionais concretas.

Tendo dito isso para explicitar minha análise, vou dividir minha exposição em três partes. Na primeira, gostaria de fazer algumas considerações de tipo conceituai. Depois, gostaria de dizer alguma coisa sobre os pré-requisitos políticos e económicos para o ponto de partida de um processo de integração, o "dia zero". Finalmente, quero dizer algo sobre as condições políticas e económicas para a parte mais difícil de um processo de integração, que não é o dia zero ou o dia um, mas o dia cinco ou dia dez, quando nos aproximamos do ponto do qual não há mais retorno. Geralmente, chega-se a esse ponto muito tempo depois de se haver assinado o tratado e comemorado sua assinatura.

Basicamente, nas três partes da exposição, vou levar em conta a experiência do Mercosul e também minha própria experiência, tudo o que venho observando no Mercosul. Porém, como disse no início, creio que muito do que vou dizer pode ser válido para o mesmo tema visto a partir do Canadá, do México, da Espanha ou da Hungria. Claro que, ao fazê-lo, não estou comparando o Brasil com os Estados Unidos nem com a Alemanha: estou apenas propondo uma realidade que é a assimetria de tamanho económico que leva a uma assimetria de interesse económico e político em relação ao processo de integração.

I. De que estamos falando ao falar de integração económica?
A tendência natural dos políticos, principalmente em nossas regiões, mas também em outras, é considerarem, numa primeira abordagem, que integração é muito semelhante a uma good neighbor policy, ou seja, ter um ambiente de cooperação, de amizade, de não conflito com os vizinhos. Desse modo, salienta-se muito mais o político do que qualquer outro fator para manter de modo permanente o clima de boas relações.

Isto é, a integração, neste caso, é quase sinónimo de interdependência cooperativa e, como tal, o contrário de interdependência conflitiva. Havia muito disso em Jean Monet, na década de 1950, quando ele falava em reverter a tendência secular para o conflito e queria colocar a relação entre a França e a Alemanha como uma hipótese de cooperação frente à hipótese de conflito que havia predominado secularmente.

Na relação entre a Argentina e o Brasil, chegou-se a esse ponto com a assinatura do Acordo Tripartite de 1980, referente ao aproveitamento dos recursos hídricos. Um eminente diplomata e político argentino, naquela ocasião embaixador argentino no Brasil, Oscar Camilión, disse uma coisa muito certa: "Deixamos de lado a hipótese de conflito permanente como hipótese de trabalho entre nossos dois países". Esse foi o turningpoint, a mudança de sinal na relação, e isso já é integração do ponto de vista político.

Do ponto de vista do investidor e do operador económico, integração significa a possibilidade, em primeiro lugar e no mínimo, de fazer mais comércio ou de repartir mercados com terceiros. Essa é a primeira coisa em que pensa um empresário quando pensa a respeito de integração: “integração é mais comércio". Esse momento da relação Argentina-Brasil, que é sem dúvida o eixo da experiência Mercosul, e onde se pode analisar melhor os pré-requisitos e os requisitos políticos e económicos, certamente foi atingido muito antes de 1981. Mas é a partir da década de 1980, como consequência da crise da dívida e do Programa de Integração e Cooperação Argentina-Brasil, que se verificam progressos significativos em matéria de comércio. A partir daí, então, é que os empresários começam a dizer que estamos promovendo integração.

A coisa fica mais complicada, para o político e para o empresário, quando se entra em estados mais avançados de integração económica. Continuamos falando de integração, mas os compromissos são maiores.

Do ponto de vista político, os compromissos são maiores quando, a partir de uma leitura convergente dos desafios da realidade internacional, se decide compartilhar um programa de trabalho diante da realidade internacional, sendo então que integração é sinónimo de negociar juntos, de pôr em comum a capacidade de negociação, de criar um entorno internacional favorável a projetos políticos de cada um dos participantes.

Certamente, há estados mais avançados de integração, quando já se começa a falar de federalização política, mas no caso do Mercosul estamos muito distantes disso. Estamos em outra etapa que é a de, a partir de uma percepção comum de desafios comuns, estabelecermos um programa comum que esperamos faça aumentar nossa capacidade de negociação internacional na área política.

Do ponto de vista económico, para o empresário e sobretudo para o investidor, integração económica mais avançada significa poder planejar seus investimentos em qualquer dos países participantes, em função do mercado ampliado. Nesse ponto, o investidor vai pedir ao político que lhe garanta o acesso ao mercado que lhe prometeu. Isto é, a comunidade de negócios de modo geral começará a dar ênfase às garantias de acesso ao mercado. Pode até ser que essa seja a motivação que os leve a apoiar a ideia de integração. Se analisarmos em detalhe o que se passou no Canadá, o motivo principal do Canadá e dos meios empresariais canadenses não era tanto aumentar suas exportações para os Estados Unidos, mas adquirir o seguro contra o proteciónismo, isto é, eliminar o que Dunkell acertadamente chamou de "a restrição não alfandegária mais perversa que é a precariedade no acesso ao mercado. Em outras palavras, a possibilidade de que, por meio de um ato unilateral, o país que possui a economia mais forte restrinja o acesso ao mercado. No fundo, o que o investidor procura conseguir é que o acesso ao mercado do outro se transforme em um direito, deixando de ser um privilégio concedido unilateralmente pelo outro. Essa transformação do acesso, de um "privilégio precário" em "direito protegido jurisdicionalmente", é que explica o fato de uma economia menor procurar conseguir um acordo de integração com uma economia maior. Normalmente, é isso que permite dizer que se formou um bloco ou um megamercado, mas o que a economia menor de fato busca é garantir para si o acesso ao mercado do outro.

Em síntese, para falar de pré-requisitos políticos e económicos de um processo de integração, devemos estar de acordo sobre se falamos de uma integração política muito suave, uma integração política que implique compartilhar de um programa para o futuro, uma integração que signifique apenas aumentar o comércio e alguns projetos de cooperação bilateral até mesmo importantes, ou sobre uma interconexão dos mercados que permita ao investidor operar em qualquer uma das economias com a garantia -juridicamente protegida-de que poderá utilizar efetivamente o mercado de cada um dos países.

Isso me leva a outra consideração antes de terminar esse primeiro tema: a de que os conceitos mais clássicos que utilizamos ao falar de integração económica do ponto de vista económico, tais comofree trade agreement, "zona de livre comércio", "união alfandegária", "mercado comum", "união económica , estão hoje em dia, começando a ser irrelevantes, do ponto de vista prático, inclusive dentro do Mercosul. Irrelevantes no que se refere aos principais processos de integração que se desenvolvem neste momento, uma vez que, na prática, cada vez mais ganha prestígio aquilo que se chama de quality free trade área.

Entre os requisitos para que uma "zona de livre comércio" seja considerada uma quality jree trade área, por exemplo do ponto de vista da Iniciativa para as Américas, alguns elementos são claros. Trata-se de uma mistura entre o artigo 24 do GATT, o "código de conduta macroeconómica" e a world standard legislaúon em matéria de propriedade intelectual e de investimentos estrangeiros. É uma zona de livre comércio com taxa alfandegária zero entre os membros, taxa alfandegária externa de cada um dos países (que pode ser desigual, mas deve ser muito baixa, consolidada no GATT como taxa alfandegária baixa) e sem restrições alfandegárias; controle das respectivas macroeconomias; legislação de nível internacional em matéria de dumping subsídios, propriedade intelectual e investimentos Ou seja, a qualityfree trade área pode ter a forma de uma zona de livre comércio (art. 24 do GATT), ou a forma de uma união aduaneira ou a de um mercado comum. A distinção que pode haver começa a ser quase irrelevante e desaparece a fronteira entre os três conceitos. Ela possui os elementos que interessam ao operador e ao investidor para reconhecer que realmente se passou da teoria para a realidade em matéria de integração económica: a) que se proteja o acesso ao mercado; se a taxa alfandegária for zero, melhor, mas que o acesso esteja protegido e garantido; b) que haja um marco macroeconómico de estabilidade que represente um habitat favorável à competitividade internacional (no caso do Mercosul, a coordenação macroeconómica está se dando, de facto, porque todos os países das Américas, pelo menos os latino-americanos, estamos praticando o mesmo tipo de políticas macroeconómicas, coisa que, em sua versão crítica, foi denominado "o consenso de Washington").

II Os pré-requisitos no momento da arrancada, no "dia zero" do Mercado Comum, ou de um processo de integração
O que observamos na experiência concreta do Mercosul (particularmente no verdadeiro momento inicial que foi o Programa Argentino-Brasileiro de 1985 em diante) é a presença de fatores (mencionados sem ordem hierárquica) semelhantes aos que observamos no momento inicial do Grupo Andino, na década de 1970, e de alguns elementos que também estão presentes no momento inicial do projeto da Comunidade Económica Europeia:

    a) interdependência geográfica, espacial. No caso do Grupo Andino e do Mercosul, havia baixa interdependência económica, enquanto no caso da CEE havia alta interdependência económica. Nos três casos, porém, havia grande interdependência espacial e geográfica;

    b) intensa participação (involvement) do mais alto nível político, não apenas dos presidentes. O que se observa é uma participação intensa de presidentes, ministros de Relações Exteriores e ministros de Economia (isso está muito claro no primeiro momento do Projeto Argentina-Brasil, entre o compromisso do presidente Alfonsin, o presidente Sarney, dos chanceleres e dos ministros de Economia); outra coisa que se observa é que, por detrás dos personagens de nível mais alto, há uma, duas ou três pessoas em cada país que realmente estão pensando a estratégia. Formando, assim uma espécie de joint-venture entre o poder político de alto nível e a presença delgente de poder político — e eventualmente técnico — que está pensando a estrategia. Isso é analisado num contexto histórico diferente na relação Monet-Schumann na década de 1950, e o mesmo se dá com alguns dos colaboradores de Adenauer;

    c) a presença de um contexto de cultura política favorável à integração. Há uma correlação entre integração e democracia, uma vez que, de algum modo, é a cultura da negocição (compromise), a cultura política interna propensa à negociação e ao compromisso, que facilita o compromisso e a negociação em nível de integração. Integrar países é muito semelhante à nation building. Regional buildingé negociar 24 horas por dia, é um exercício continuado de compromisso e, portanto, é preciso haver uma cultura política nacional favorável à negociação;

    d) um "baixo nível de conflito", de situações de conflito preexistentes. Isto é, "que não haja um problema sério" de fronteiras ou essas coisas que costumam acontecer nas histórias entre países, que fazem com que o conflito predomine sobre a cooperação. O caso da Europa demonstra, ainda que isso seja irreproduzível na América Latina, que o excesso de conflito leva a procurar a cooperação, sobretudo quando ainda é recente a memória da versão extrema do conflito, o combate. Isso está claro na década de 1950, na colocação feita por Jean Monet.

Finalmente, assinalaria dois outros fatores que acredito serem fundamentais:

    a) cada um dos países -e o foco nacional é essencial- deve ter alguma razão de fundo pela qual procura trabalhar junto com o outro país. Esse fim poderia ser consolidar a democracia; derrubar as razões que, em qualquer sociedade, justificam as despesas militares; recuperar um papel histórico (isso está muito claro no livro branco inglês, quando explica por que a Grã-Bretanha se incorpora à Comunidade); podem ser razões de sobrevivência diante de inimigos externos (no caso do Grupo Andino da década de 1960 havia muito do tema da dependência e, portanto, integração era autonomia); preparar-se melhor para competir num mundo que não tolera solitários — criar um environment para o esforço de competitividade — ou, finalmente, evitar o isolamento num mundo que está se consolidando em grandes blocos. É preciso que haja uma razão forte que explique por que o país se compromete com o processo de integração;

    b) tal vez o fator crucial: que haja em cada um dos países uma coincidência entre a agenda de integração e a agenda de problemas críticos, económicos e políticos que esse país administra nesse momento histórico, que é o que explica que o nível político mais elevado se comprometa a fundo com a integração.

III. As condições para manter o processo de integração
O processo de integração económica já numa versão adiantada funciona através do tempo na medida em que se mantenha a correlação entre a agenda de problemas críticos do respectivo país e a agenda da integração. A funcionalidade da integração com essa agenda crítica nacional é que explica politicamente a vitalidade de um processo de integração. Há vários momentos da integração europeia em que isso se observa (quando De Gaulle não encontra essa relação entre sua agenda e a agenda do Mercado Comum, ele questiona o Mercado Comum).

Neste ponto é que pode ser interessante ver o tema do Mercosul do ponto de vista das condições para sua vitalidade, o que tem muito a ver com as condições que lhe deram origem: o Mercosul é vital, importante, significativo para a agenda de meu país, mas creio que também para a agenda de problemas críticos de nossos três parceiros, porque é uma consequencia, um subproduto. É um instrumento de nossos esforços para desenvolver três processos que são estritamente nacionais, que de todo modo temos que levar avante, e que esperamos que possam ser mais facilmente bem-sucedidos graças ao Mercosul. E assim é porque percebemos que nossos três parceiros -tal vez por isso sejam eles nossos três parceiros- compartilham os mesmos problemas e também procuram no Mercosul, talvez com diferentes graus de interesse, a mesma funcionalidade por nós procurada.

Os três processos que nos levam a trabalhar juntos são consolidar a democracia, transformar nossas economias por meio do progresso técnico (e em condições de equidade social, porque devemos consolidar a democracia) e, em terceiro lugar, introduzirmo-nos competitivamente nos mercados mundiais, uma vez que queremos participar da realidade internacional. Vista por esse ângulo, além de um sem-número de outros fatores, a vitalidade do Mercosul relaciona-se diretamente com a percepção que cada uma de nossas sociedades tenha dessa funcionalidade. Isso faz com que não seja viável analisar o Mercosul em função de problemas circunstanciais ou conjunturais que se apresentam nesse triplo esforço de consolidar a democracia, modernizar a economia e participar ativa e competitivamente dos mercados internacionais, mas sim que devemos examiná-lo, inclusive seus problemas, em função das tendências profundas e de longo prazo que explicaram a sua origem.

Esse tema não é interessante apenas no caso do Mercosul, como também nos permite estabelecer um paralelo histórico com outros três momentos em que um grupo de países tentou desenvolver processos de integração económica. O primeiro momento foi o das democracias nascentes da Europa de 1950, em que a "ideia de Europa" permite firmar na França, na Alemanha e na Itália a ideia de democracia, atribuir um sinal positivo à disciplina que era preciso concretizar para desenvolver as economias, e permite criar leverage para ter uma participação naquilo que, depois, De Gaulle chamaria de "o mundo das duas grandes hegemonias". O mesmo fenómeno se repete na Espanha, na Grécia e em Portugal na década de 1970. A ideia de Europa tem muito a ver com a luta para alcançar a democracia e consolidá-la, para superar a obsolescência e para incluir-se novamente no mundo. E, finalmente, por que a Hungria, a Polónia e a Tchecoslováquia procuram entrar para CEE? Em parte por motivos estritamente económicos, mas em grande parte porque, dessa forma, contribuem para firmar, em suas respectivas sociedades, a ideia de democracia, de modernização económica e de inserção internacional. Essas considerações gerais sempre deveriam ser feitas toda vez que se analise o tema do Mercosul.

IV. Outros fatores de tipo político e económico importantes pelo papel que desempenham relativamente à consolidação do Mercosul no futuro imediato
O primeiro fator importante é que cada um dos países, ao analisar o Mercosul, preserve a perspectiva nacional, a ótica nacional. Temos observado que, em nossas realidades, começa também a predominar, em alguns casos, a perspectiva estadual (observa-se isso no Brasil e na Argentina). É o estado tal, ou a província tal, que vê o Mercosul como uma forma de criar um habitat de competitividade sistémica em nível estadual que, de maneira definitiva, permita competir para atrair investimentos e, portanto, gerar empregos nesse estado.

Essa perspectiva nacional, ou estadual, na medida em que se reproduza, é que dará vitalidade ao Mercosul. Não existe urria perspectiva Mercosul, não existe como tal. O que existem são os interesses nacionais, estaduais e de cidades que vêem no Mercosul um instrumento para atrair capitais para seu esforço de competitividade.

Um segundo fator importante é que este seja, na prática, um projeto societal; não é suficiente que seja um projeto governamental ou um projeto empresarial. Ou seja, de algum modo, o que dará vitalidade ao Mercosul é que a sociedade, em seu conjunto, perceba, na aliança regional, uma alavanca para melhorar as condições de consolidação da democracia, de transformação económica, de inserção competitiva nos mercados mundiais. Isso leva a uma consequência de tipo operacional: no Mercosul, é fundamental garantir a participação cada vez maior dos setores políticos, dos setores do trabalho, dos setores empresariais, da comunidade académica; isto é, de tudo aquilo que, de algum modo, pode significar mobilização da sociedade em função do acordo.

E neste ponto creio que o tema da perspectiva começa a expandir-se. Já não se trata de uma única perspectiva nacional, nem estadual, nem do investidor; o Mercosul (como a CEE, o Grupo, Andino ou qualquer projeto de integração económica de alta densidade política) possui vitalidade na medida em que diferentes protagonistas dos diferentes países o relacionem com as palavras-chave que dizem respeito a seus interesses vitais. Por exemplo, o político verá o Mercosul relacionado com as palavras "paz", "democracia", "poder de negociação"; o consumidor deveria vê-lo em termos de "preços baixos", "alta qualidade". Se o Mercosul não atingir o supermercado, o consumidor, que por sua vez é cidadão, não verá relação entre o acordo e "sua" agenda de problemas críticos. O investidor, se for de um país relativamente menor, perceberá no Mercosul a ideia de mercado (Mercosul = Mercado). Se é investidor de um país relativamente maior e que está fazendo um esforço de competitividade, provavelmente perceberá nele a possibilidade de abastecimento de recursos naturais, de insumos básicos e de recursos humanos. Para um trabalhador que esteja trabalhando, ou não e queira trabalhar, o Mercosul terá que significar mais emprego("investimento = emprego"), caso contrário, não vai entendê-lo. O cidadão que, por sua vez, é trabalhador, investidor, poupador, consumidor, taxpayer, terá que percebe-lo como sinónimo de futuro, esperança, progresso.

Isso não pode ser medido, mas tem um enorme valor económico. Prova disso é a CEE que, em diferentes momentos de sua história (no momento inicial, certamente, mas também com o lançamento da Europa 92), teve muito mais impacto pela mensagem que transmitiu a seus cidadãos do que por fatos que se pudessem medir por meio de indicadores económicos. Ou seja, o valor "expectativa" atinge o cidadão, repercute no investidor, traduz-se em comportamentos e em expectativas de sinal positivo.

Outros dois requisitos são importantes para a vitalidade do processo do Mercosul. Por um lado, que o comportamento empresarial se traduza por uma estratégia de médio prazo para, a partir do Mercosul ou do processo de integração económica, investir para melhorar sua competitividade empresarial dentro de um padrão de competitividade sistémica. Numa palavra, de condições macroeconómicas positivas. Porém, somente na medida em que, com o passar do tempo, se desenvolver esse rede de alianças empresariais (sobretudo, em função da conquista de terceiros mercados), é que o processo de integração, particularmente o Mercosul, irá adquirindo solidez, densidade e vitalidade.

O segundo fator político, sobretudo durante os dois ou três primeiros anos, é que, particularmente os empresários, percebam vantagens sistémicas compartilhadas na ideia do processo de integração, ou seja, que não o percebam como um "jogo de soma zero", em que alguém tem que perder e alguém tem que ganhar.

É nisso que creio, e aqui quero encerrar minha exposição, que a combinação de fatores políticos e económicos iniciais, mais a observação de fatores políticos e económicos que estão ocorrendo neste momento no processo do Mercosul, levam a explicar por que o mercado, interno e internacional, está observando com expectativa cautelosa, mas positiva, esse projeto Mercosul.

Creio que ele está sendo percebido como um subproduto de esforços nacionais em torno dos três temas — democracia, transformação económica e inserção competitiva —, como uma "integração extrovertida" que não é apenas para utilizar os mercados internos, mas sim para melhor competir nos mercados mundiais; uma forma de passar da obsolescência tecnológica para a competitividade.

Percebe-se que, de algum modo, sobretudo nas economias menores, produziu-se um grande debate societário. Observa-se o caso do Uruguai, o que fez com que os diferentes setores da sociedade começassem a perceber que ganham com o Mercosul, mesmo quando também tenham a sensação de que podem perder alguma coisa. Ali se estão observando os primeiros sinais, em alguns casos muito fortes, de estratégias empresariais (particularmente das companhias multinacionais que atuam na região, mas também de empresas pequenas e médias de muitos dos estados e províncias) para tirar proveito do Mercosul. Observa-se um forte compromisso político do mais alto nível nos quatro países.

A soma de todos esses fatores faz com que se coloquem em sua perspectiva precisa as visões mais pessimistas, que podem proceder:

    a) da longa história de processos fracassados em matéria de integração na América Latina;

    b) de sérias dificuldades circunstanciais, produto da passagem da obsolescência para a competitividade;

    c) da presença de fortes assimetrias macroeconómicas que, analisadas de um ponto de vista estático, são complexas, mas, se analisadas de um ponto de vista dinâmico, tenderão a superar-se. Certamente, dessa perspectiva de mais longo prazo é que devem ser analisadas as diferenças circunstanciais de enfoque, que podem existir em temas de política económica ou de política exterior entre os participantes do processo de integração. O processo de integração mais avançado que existe neste momento no mundo, a Comunidade Económica Europeia, tem evidenciado nos últimos meses (trinta anos depois de estar desenvolvendo a integração económica) acentuadas diferenças entre seus parceiros com respeito a problemas internacionais ou a problemas económicos conjunturais.

Creio, e com isto termino, que o que se está de algum modo aprendendo no âmbito desses países, é que integração é um processo de longo prazo que não elimina nem um pouco as divergências, as diferenças e os problemas de tipo circunstancial. Ao contrário, o aumento da interdependência, a co-particípação da agenda, pode, em certos momentos, gerar até mesmo atritos e divergências que são naturais nesse tipo de processo.


Félix Peña es Director del Instituto de Comercio Internacional de la Fundación ICBC; Director de la Maestría en Relaciones Comerciales Internacionales de la Universidad Nacional de Tres de Febrero (UNTREF); Miembro del Comité Ejecutivo del Consejo Argentino para las Relaciones Internacionales (CARI). Miembro del Brains Trust del Evian Group. Ampliar trayectoria.

http://www.felixpena.com.ar | info@felixpena.com.ar


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