Só o que não pode acontecer é que se ignorem reciprocamente.
O Mercado Comum do Sul (Mercosul) e o Acordo de Livre Comércio
da América do Norte (NAFTA, em sua sigla inglesa) são duas
realidades hemisféricas fadadas a coexistir e a interatuar intensamente
no futuro.
Entre seus membros estão as cinco principais economias das Américas.
Somadas, ambas as áreas comerciais representam 81% da população,
72% da superfície, 97% do Produto Interno Bruto, 93% das exportações
hemisféricas globais e mais de 90% do comércio intra-hemisférico.
Se a idéia de um sistema hemisférico de livre comércio
tem futuro, ela dependerá, sem dúvida, da evolução
desses dois grandes espaços econômicos multinacionais e de
sua interação recíproca.
Ambas as realidades têm traços comuns. Em primeiro lugar,
devem recorrer ainda um longo caminho para desenvolver-se em plenitude.
No caso do NAFTA, o acordo sequer chegou ao seu texto final. E, depois
de ser assinado, deve passar pela prova de ratificação pelo
novo Congresso americano. No caso do Mercosul, as realidades macroeconômicas
e o comportamento empresarial deverão demonstrar que o Cronograma
de Las Leñas, sustentado como está por uma firme vontade
política, constitui um efetivo caminho até a conformação,
em 1995, da união aduaneira e das bases fundamentais do Mercosul.
O racional é que assim ocorra. Os fatos terão,como sempre,
a última palavra.
Em segundo lugar, tanto o Mercosul quanto o NAFTA foram concebidos como
plataformas para a competitividade global das economias dos países
membros. Integrar para melhor competir em escala global, é a idéia
vertebral de ambas as propostas multinacionais.
No caso do Mercosul, como o reiterou há poucos dias o chanceler
Celso Lafer, ao inaugurar o seminário que o Centro de Economia
Mundial da Fundação Getúlio Vargas organizou no Rio
de Janeiro. No caso do NAFTA, assinalou-o com nitidez o presidente Bush
ao anunciar a conclusão das negociações.
Em terceiro lugar, ambos os esquemas aspiram a ser consistentes com o
GATT. Com respeito ao NAFTA, isso se poderá comprovar quando se
conheça o texto final do acordo e, em particular, quando se possa
observar sua efetiva colocação em prática. A aspiração
à consistência está muito clara com respeito ao Mercosul.
Como "global traders", especialmente a Argentina e o Brasil
com um comércio exterior muito diversificado, não só
não poderiam encerrar-se no Mercosul como também seus interesses
econômicos vitais supõem um fortalecimento do sistema comercial
multilateral, que facilite um acesso mais aberto e não discriminatório
a todos os mercados, inclusive os agrícolas. E por isso que, ao
exercer seu direito de apresentar-se a través da cláusula
de habilitação (direito comprado e pago nas negociações
da Rodada de Tóquio), Brasil e Argentina indicaram com firmeza
no GATT que, não por isso, pretendem tornar menos transparente
o Mercosul do que o fariam se tivessem utilizado o artigo XXIV. Além
disso, manifestaram que respeitarão, como corresponde, todos os
direitos das demais partes contratantes, incluindo as que se originam
no citado artigo XXIV.
Há também diferenças entre a metodologia da associação
econômica do NAFTA e a do Mercosul. Mas, se forem examinadas de
perto, elas não são necessariamente substantivas. E certo
que o NAFTA não terá tarifa externa comum. Sabemos, porém
- e o esperamos -, que no caso de associações econômicas
entre países abertos ao comércio mundial, desejosos de competir,
o perfil tarifário externo - comum ou não - será
necessariamente baixo. E não será o principal fator a incidir
nos fluxos comerciais. Mais importante é o fato de que se possa
praticar uma efetiva disciplina macroeconômica e que se tenha uma
legislação econômica, inclusive em matéria
de concorrência, que seja atrativa para os investimentos.
Não só o NAFTA e o Mercosul não se podem desconhecer
reciprocamente. Também têm muito que conversar. No mais imediato,
as seguintes são, em minha opinião, algumas das questões
mais relevantes do NAFTA para os países do Mercosul: a) seu potencial
impacto de desvio de comércio e de investimentos, com respeito
aos países do Mercosul em suas relações com cada
um dos países membros do NAFTA; b) sua consistência com o
GATT e o efeito potencialmente protecionista e desviado de comercio de
algumas de suas regras, por exemplo, os requisitos de origem nos setores
automobilístico e têxtil; c) o cumprimento por parte do México
de seus compromissos contratuais formais derivados do Tratado de Montevidéu
de 1980 (artigos 44 e 48); e d) as condições de acesso ao
NAFTA por parte dos outros países.
Este último ponto merece uma atenção especial. A
condição hemisférica não está até
o momento explicitamente estabelecida no NAFTA. Isso quer dizer que, ao
menos em teoria, um país do Sudeste asiático poderia aspirar
a ser membro do NAFTA e, até mesmo, conseguir o acesso antes que
um pais latino-americano. Essa possibilidade, por si só, contradiz
a essência da idéia de um sistema hemisférico de livre
comércio, do qual o NAFTA deveria ser um primeiro, tal como o anunciou
solenemente o presidente Bush ao lançar a Iniciativa das Américas
ante os embaixadores latino-americanos, em 27 de julho de 1990.
A agenda econômica hemisférica dos próximos anos começa
já a delinear-se.
Um Mercosul com vocação a ampliar-se para a América
do Sul e o NAFTA estão destinados a ter um protagonismo especial
na definição de um sistema hemisférico de comércio
e investimentos, que se transforme em uma verdadeira plataforma para a
competitividade em escala global de nossas economias, graças ao
necessário fortalecimento do sistema de GATT.
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