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  Félix Peña

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  Revista Política Externa | Septiembre de 1997

Regras do jogo e instituições no Mercosul


Insuficiências iurídico-ínstitucionais no Mercosul

O Mercosul é um projeto vitorioso, no que dizrespeito ao seu impacto no crescimento do comércio e dos investimentos e na sua presença e imagem internacional. Apesar de seu enfoque ter sido predominantemente econômico, tem também um profundo sentido político e estratégico, que se reflete na criação de um âmbito regional de estabilidade, paz, liberdade e democracia.

Entretanto, à medida que o seu desenvolvimento avança, o Mercosul está colocando em evidência algumas insuficiências jurídico-institucionais, às vezes por deficiência, e outras por carência, que merecem uma reflexão e, sobretudo, ação.

Essas insuficiências são observadas com mais clareza em situações como as que se manifestaram como conseqüência de medidas provisórias do governo do Brasil, outorgando incentivos especiais para o investimento automobilístico no Nordeste, Norte e Oeste do país (MP n° 1532 de dezembro de 1996), e restringindo o financiamento das importações, inclusive daquelas provenientes dos países-sócios (MP n° 1569 de março de 1997).

Não são insuficiências que estejam indicando, necessariamente, uma fratura estrutural no edifício de cooperação e integração econômica, cuja construção os sócios fizeram, frente a partir da assinatura, ern 1391: cio Tratado de Assunção. Mas, se não ícrem percebidas a tempo, podem ter ura efeito parecido ao de uma Satura estrutural.

As situações ocorridas são situações naturais, derivadas do próprro dinamismo que o comércio e os investimentos estão adquirindo no Mercosui. Mas também é certo que uma reiteração desse tipo de situação e a tendência de negociar politica mente a solução de cada conflito comercial pode terminar desgastando a credibilidade do Mercosui perante os investidores, cidadãos e observadores externos.

As defiáências surgem com mais nitidez, particularmente, quando se apresen- tam controversas comerciais, ocasião em que se observa a existência de normas infe, precisas e confusas (caso, por exemplo, da decisão CMC n° 3/94 ou do acordo bilaterai automobilístico Argentina-Brasii, de dezembro de 1994); a ausência de urna normativa eficiente (caso, por exemplo, das restrições ao financiamento das importarções) e, em particular, as dificuldades que existem para processar tais controvérsias nos órgãos do Mercosui, sem necessidade de recorrer ao mais alto nível político para encontrar uma solução.

A Comissão de Comércio tem conseguido resolver um número significativo de questões comerciais. Mas aquelas mais importantes, devido ao seu impacto econômico, tiveram um processamento somente por intermédio de negociações políticas, muitas vezes fora dos órgãos do Mercosui, tendo como resultado nem sempre uma solução, mas sim um deferimento da respectiva controvérsia (entre outros, o caso dos lubrificantes e dos produtos farmacêuticos).

Somente em um caso conhecido entre o Uruguai e a Argentina é que se recor-. reu aos mecanismos do Protocolo de Brasília, e fomos informados de algumas outras apresentações de particulares à respectiva Seção Nacional aplicando o artigo n° 25 do Protocolo. Nenhuma das situações significativas de descumprimento dos compromissos jurídicos do Mercosui, bem como nenhuma das questões de interpretação deram lugar a ações originadas no Protocolo de Brasília.

Essa tendência observada no Mercosui é diferente da que se manifesta no Acordo de Livre Comércio entre o Canadá e os Estados Unidos - o Nafta -, na União Européia e, inclusive nos.dois últimos anos, na nova Organização Mundial de Comércio. Em todos esses casos, governos e particulares consideram normal recorrer aos mecanismos de solução de controvérsias de um acordo comercial, quando se encara um conflito sujeito à lei pela aplicação ou interpretação da normativa jurídica estabelecida. Assumem, e com razão, que foram estabelecidos para serem utilizados, e que a sua utilização não implica animosidade política contra quem se considera que não cumpriu os seus compromissos, mas sim, pelo contrário, permite retirar a dramatici-dade política das diferenças por meio do tratamento da matéria por especialistas, árbitros ou juizes. Eles são o modo racional e civilizado de dirimir conflitos comerciais sujeitos à lei.

São observadas carências em outros casos, tais como cs de serviços s compras governamentais, em relação aos quais os governos ainda não negociaram regras de jogo que já deveriam ter sido aprovadas, levando-se em consideração a profunda assimetria que existe entre as condições de acesso que as empresas brasileiras têm no mercado argentino (relativamente mais aberto) e as dificuldades que, por sua parte, as empresas argentinas experimentam para ingressar no mercado brasileiro (relativamente mais fechado). Esta situação gera um desequilíbrio nos interesses recíprocos que não estava previsto - ao menos, par tanto tempo - quando os sócios se comprometeram a criar um mercado comum, para o qual concordaram, de boa-fé, começar imediatamente pelo comércio de bens, estando entendido que logo seriam negociados também os serviços e as contas públicas, como corresponde a um mercado' comum. Ao não ter sido iniciada tal negociação - só se avançou .em trabalhos técnicos e foi mencionada em diversas oportunidades o fato de que se negociará no faturo, mas não existe um cronograma de negociação estabelecido - o cumprimento do princípio de reciprocidade que foi estabelecido no artigo n° 3 do. Tratado de Assunção para o funcionamento do mercado comum está sendo afetado. É preciso levar-se em consideração que, sob o ponto de vista jurídico, o mercado comum já está estabelecido a partir da finalização do período de transição, sem. importar que sejam requeridos anos para o seu completo desenvolvimento, como ocorreu no caso do Mercado Comum Europeu.

A importância econômica da questão jurídico-mstitucional

A pergunta que surge nestes casos é se o processo de integração está efetivamente orientado por regras objetivas, custodiada a sua observância por mecanismos institucionais que contribuam para reforçar disciplinas coletivas entre os sócios e limitar a tentação natural a comportamentos unilaterais contrários aos acordados. Esta é uma pergunta que diz respeito à eficiência política e econômica do Mercosul.

Com razão, a experiência histórica indica que a qualidade das regras de jogo e das instituições em um processo de integração como o Mercosui, mostra aos investidores o grau de credibilidade que podem ter no que diz respeito ao mercado ampliado que os países-sócios prometem. É em função dessa credibilidade que serão definidas as suas estratégias de investimento, produção e comercialização na região. Quanto menos acreditem na solidez dos compromissos do Mercosui, especialmente no caso das emergências econômicas, gerais ou setoriais, maior será a sua tendência a localizar-se no mercado de maior dimensão.

Além disso, sabem que quanto menor seja a qualidade jurídica e institucional do processo de integração, menor será a capacidade dos governos para resistirem às pressões protecionistas de setores que, às vezes, enfrentam séries problemas de-ajuste na transformação produtiva e na abertura da mercado regional, mas que, às- vezes, cambem procuram no atrase no cumprimento aos prazos e na protelação des compromissos assumidos peios sócios, uma forma prática de perpetuar situações de inefi-ciências e da falta de vontade de competir. Compromete-se, desta forma, o "efeito disciplina", que é uma das principais contribuições dos acordos regionais de integração para os países que deles participam, especialmente se são países comuma tradição de instabilidade que tentam assumir, internamente, ambiciosos planos de estabilização e de transformação produtiva.

É preciso levar em consideração que, geralmente, a credibilidade da integração econômica na América Latina tem sido baixa, conseqüência de muitos arios de frustração produzidas por experiências como a Aíalc e o Grupo Andino, e inclusive, pela Aíadi. Muitos têm a impressão de que a América Latina praticou uma espécie de jogo de "integração-ficção", com um discurso duplo entre a retórica e a efetividade normativa, ao qual as regras de jogo e os prazos para a consecução dos objetivos ficaram sistematicamente corroídos por um hiper-pragmatismo na concepção do valor dos compromissos assumidos. Neste sentido, o Mercosul não é imune ao que se pode chamar de "vírus da aladificaçáo", isto é, a idéia de que cs acordos são cumpridos apenas quando é possível, pensamento que por muitos anos caracterizou a Alaic e a Aíadi. Este pensamento se traduz em uma sensação de precariedade que termina por desvalorizar a idéia da integração, tirando sua eficácia e encaminhando-a para o "mu- seu das irrelevâncias".

Qualidade das regras do jogo e funcionalidade institucional

A acumulação de controvérsias comerciais que não são eficazmente processadas pelos mecanismos institucionais e que, em muitos casos, originam-se de regras de jogo confusas - ou pela sua ausência - pode afetar, entre os sócios, a percepção de ganhos mútuos, sustento político do Mercosul e da sua estrutura política. Algumas dessas controvérsias põem em jogo a solidez do compromisso assumido de garantir o "acesso irrestrito aos respectivos mercados em condições distintas às que se aplicam a terceiros países" - por exemplo, no caso dos lubrificantes e dos produtos farmacêuticos, ambos afetados por restrições náo-tarifárias que já deveriam ter sido eliminadas, de acordo com o pacto original - e a efetividade de uma "disci- plina coletiva em matéria de promoção de investimentos como parte das disciplinas coletivas em matéria de políticas macroeconômicas e políticas comerciais" - por exemplo, no já mencionado caso dos incentivos aos investimentos automobilísticos. Estes são os dois pilares centrais do projeto de integração econômica. Existem outros.

Mas, sem estes dois, o Mercosul fica exposto a situações que podem afetar a sua credibilidade perante os investidores e, inclusive, afetar a sua sobrevivência, a longo prazo.

Além disso, são situações que podem estar refletindo sérias debilidades metodológicas e institucionais. Ou seja, falhas nos métodos de trabalho, na qualidade e na precisão das regras do jogo, no valor que elas possuem como orientadoras do processo e na mecânica de criação normativa e de aplicação efetiva das regras acordadas. Os exemplos são numerosos e originam-se no comportamento dos quatro sócios, particularmente, em matéria de restrições não-tarifárias, na aplicação real das regulações que fazem ao livre comércio e à união aduaneira, na ausência de vávulas de escape, na regulamentação de setores-chave, como o automobilístico.

Observam-se duas posições extremas com relação à questão institucional e das regras do jogo do Mercosul. Uma é minimalista. Considera que a integração é um processo de negociação contínua, que requer um mínimo de regras de jogo: e instituições simples e controladas pelos governos - até aqui não há problema -no qual as regras de jogo são somente indicadores dos avanços nas negociações, e que sua aplicação depende da vontade de cada governo - "e aqui está o problema".

Esta idéia da norma como "instrumento descartável" se reflete na posição do fisco no caso "Cafés La Virgínia" (1994), quando destaca que os compromissos da Aíadi eram de caráter ético e não imperativo e que, portanto, os acordos parciais celebrados dentro dela instituíam mecanismos flexíveis onde os países podiam modificar, unilateralmente, os benefícios negociados. Felizmente, a decisão da Corte Suprema foi contrária a essa tese hiperpragmática. Ela implicaria enviar aos mercados um sinal de que as regras são cumpridas quando se pode. Se a realidade assim o requer, elas mudam. São de baixa precisão jurídica: constam das atas, mas são pouco claras e controversas. Em termos de relações de poder, ideais para o mais forte.

A outra posição é maximalista. Pretende orientar a integração por intermédio de normas rígidas custodiadas por instituições complexas, quase sempre inspiradas em uma visão jurídica e simplista da construção' européia - que não corresponde à realidade histórica - e que recorre a conceitos confusos - como o da supranaciona-íidade - que evocam transferências de responsabilidade para burocracias irresponsáveis, desde o ponto de vista da institucionalização democrática.

Três funções devem ser cumpridas pelas instituições que passam por um processo de integração voluntária entre nações soberanas, como é o Mercosul, se quisermos fortalecer a sua credibilidade e enviar sinais claros aos mercados com relação à sua sustentabüidade a longo prazo. A experiência histórica indica que a taxa de fracassos em matéria de integração é elevada. Os investidores estão cientes disso. Quase nunca se trata de fracassos abertos, por exemplo, por intermédio da ruptura do vínculo associativo, por um ou mais países, como ocorreu com o Chile e, mais recentemente, com o Peru, no Grupo Andino. Ao contrario, na maioria das vezes, trate-se de um deslizamento gradual do processo de integração' para o palco da irrelevância política e econômica. O processo de integração pode, inclusive, subsistir, mas deixa de ser um instrumento de trabalho útil para os países-sócios.

A primeira função é a de assegurar o acesso irrestrito aos respectivos mercados dos sócios. Só a medida que o direito a tal acesso esteja garantido jurisdicionaimente - por juridisção arbitrai ou judicial - pode ser criado um quadro de previsibilidade para o investidor, como quando, por exemplo, investe em um país membro da União Européia ou do Nafta.

A segunda é a de assegurar a preservação dinâmica da reciprocidade de interesses que sustenta o vínculo associativo entre os sócios do MercosuL Neste tipo de processo, os países participam à medida que recebam mais lucros estando dentro do que estando fora. Uni exemplo, novamente, é o caso do Chile e do Peru no Pacto Andino. É a percepção de ganhos mútuos o que explica a criação de um processo de integração bem como a sua vitalidade posterior. Isto requer situar, dinamicamente, os legítimos interesses nacionais e setoriais dentro de uma visão de conjunto com sentido estratégico e de longo prazo jogo. A manutenção, por muito tempo, de assimetrias artificiais pode distorcer as condições da concorrência econômica entre os sócios, tanto a nível comercial quanto de investimentos, e destruir, desta forma, a legitimidade interna do próprio processo de integração. Isto é mais sério se existe uma assimetria natural pronunciada com relação ao tamanho dos respectivos mercados.

É ao redor dessas três funções que o debate institucional no Mercosul deve ser articulado. Na etapa iniciai, as instituições existentes funcionaram relativamente bem. Tratava-se, sobretudo, de criar interdependência onde predominava a margjna-lização econômica relativa entre os sócios. Estamos entrando agora - como conseqüência do próprio êxito do Mercosul - em uma etapa mais difícil na qual, cada vez mais, o problema será administrar esta interdependência, a fim de impedir que a lógica da fragmentação termine superando a da integração.

Um- enfoque funcional, intermediário entre as posições maximalistas e minimalistas, ao contrário, pode permitir centralizar o necessário debate institucional em tomo das questões concretas e essenciais à vitalidade e, inclusive, à sobrevivência da integração como um projeto relevante para cada um dos sócios e crível para os investidores. Nesta perspectiva, nem o imobilismo minimalista (não é preciso mudar nada, tudo está bem) nem o radicalismo maximalista (é preciso mudar tudo, dando um salto em direção à complexas estruturas jurídicas e institucionais) parecem ser a resposta conveniente.

Segurança Jurídica, e institucionalização da flexibilização

O Mercosul está submetido a requerimentos que podem ser, mas não necessariamente devem ser, contraditórios. Pelo contrário, visando a encácia do processo de integração, precisamente por ser voluntário e entre nações que ainda não possuem um nível de estabilização econômica satisfatória para as expectativas dos investidores, é necessário que os governos estabeleçam um razoável equilíbrio entre tais requerimentos.

Um é o da segurança jurídica, expressa em regras de jogo com alto potencial de efetividade, derivado da qualidade do processo de criação normativa e das próprias normas, assim como da sua sustentação política como conseqüência da reciprocidade de interesses que expressam.

O outro, é a necessária flexibilização dos compromissos jurídicos, a fim de levar em consideração a tripla dinâmica de transformação originada no contexto internacional, nos processos internos de estabilização econômica e transionnação prouUtxva , e no desenvolvimento das interações econômicas entre os sócios, este último conseqüência, em grande parte, do próprio êxito do Mercosul. No primeiro semestre de 1995, em parte como conseqüência do denominado "efeito tequila", ficou evidente que a tensão segurança jurídica/flexibilização será uma das mais difíceis de resolver na evolução do Mercosul. Situações deste tipo podem se repetir. Pelo menos é isto o que pensam os mercados.

Salientamos que possuir regras de jogo e instituições de qualidade é crucial para o êxito do Mercosul. Elas condicionam a sua eficácia, ou seja, a obtenção dos resultados desejados. Contêm sinais para os mercados, que bem captados pelos agentes econômicos, podem ser traduzidos nos comportamentos econômicos desejados, como, por exemplo, aumentar o investimento produtivo em função do espaço ampliado.

Para isso, as regras de jogo devem ter duas qualidades: a transparência, ou seja, um acesso fácil aos seus textos, o que se obtém com a sua oportuna publicação no Boletim Oficial; e a clareza, ou seja, um acesso fácil ao seu conteúdo e mensagem, p que se obtêm com racionalidade econômica e precisão na linguagem jurídica.

Mas, como também já foi destacado, toma-se crucial um grau razoável de previsão nas regras de jogo. Assim o requer, naturalmente, um dos principais destinatários dos sinais do mercado, enviados pelos governos desde que assinaram o Tratado de Assunção: o investidor, disposto a correr riscos em função do amplo mercado que lhe foi prometido.

Um investidor pode compreender a necessidade da flexibilização na aplicação dos instrumentos do Mercosul. Ela é uma conseqüência natural da dinâmica econômica internacional e interna de cada um dos sócios. O que não pode compreender é a mudança imprevista das regras de jogo devido a atos unilaterais arbitrários, mesmo quando sejam prontamente legitimados pelos órgãos do Mercosul. Isto não afeta somente a segurança jurídica. Podem ser afetados interesses concretos dos que investiram respondendo a sinais governamentais. Mais ainda, pode afetar a credibilidade de to ao o processo de integração e das políticas econômicas dos sócios.

Por isto, é importante pôr limites à tendência de uma flexibilização instrumental "de fato" do Mercosuí. Isto se consegue institucionalizando a flexibüizaclo. É da essência de um processo voluntário de integração econômica entre nações soberanas que preservam uma ampla margem de liberdade de* ação, convencer os operadores econômicos - internos e externos - de que os governos decidiram limitar efetivamente a sua capaciaaae para atuar de forma unilateral e discricionária naquelas matérias explicitamente submetidas a uma disciplina coletiva.

A idéia de institucionalizar a flexibilização é ainda mais importante se levarmos em consideração que subsistem fatores que podem incidir nas políticas macroeconômicas dos sócios, por exemplo, em matéria cambial, gerando distorções, algumas sérias, nas concorrências relativas entre os sócios. É preferível antecipar este tipo de situação, prevendo válvulas de escape de emergência que permitam adaptar os compromissos por intermédio de procedimentos preestabelecidos, que, por sua vez, preservem os interesses dos que investiram em função da expectativa do mercado amadotadas. Os artigos n°s 22 e 25 do Acordo de Complementação Econômica n° 14 entre a Argentina e o Brasil, ainda em vigor, oferecem um precedente digno de consideração.
Reflexões sobre dois casos concretos.

O Mercosuí pressupõe que os sócios aceitaram, livremente e de boa-fé, submeter-se às disciplinas comuns. Por vontade própria, restringem a possibilidade de comportamentos unilaterais contrários ao acordado e aos interesses comuns que justificam o vínculo associativo estabelecido permanentemente. A- sua legitimidade reside em uma visão de conjunto com interesses estratégicos, de natureza política e econômica, e na preservação dinâmica de um quadro de ganhos mútuos. A associação não pode ficar entregue somente à relação de força entre os sócios. Portanto, são estabelecidas regras de jogo que os obrigam e que geram direitos e obrigações para os seus cidadãos. Se não fosse assim, nenhum país aceitaria participar livremente.

Nesta perspectiva, localizam-se dois casos concretos no qual podemos considerar que o que foi acordado não foi plenamente respeitado, afora a compreensão que podemos ter devido às razões políticas e econômicas que os explicam. Não são os únicos casos, e podemos encontrar outros exemplos que envolvem situações de des-cumprimento por parte de cada um dos quatro sócios. Entretanto, são os casos que em jogo.

O primeiro caso á o que pode ser denominado como o da segunda crise automobilística do Mercosuí. A primeira ocorreu em junho de 1995. Os dados são conhecidos: a Medida Provisória n° 1532 do governo brasileiro estabelece incentivos para atrair investimentos automobilísticos no Nordeste e em outras regiões. O seu conteúdo não foi uma surpresa, já que ao menos desde agosto de 1996 era visível que isto iria acontecer, no contexto da negociação da reforma constitucional para a reeleição presidencial. Importantes investimentos foram anunciados a partir de tais incentivos. Isto também era conhecido.

A medida provisória agrava um sério problema do Mercosuí, que é o da assimetria de estímulos fiscais para os investimentos, especialmente de competidores globais. Isto implica a possibilidade de desnivelar o campo do jogo a favor, do país com maior capacidade econômica para oferecer tais incentivos, que, além disso, é o de maior mercado. Gera uma situação incompatível com uma idéia centrai ao Mercosuí, que é o direito que os sócios se outorgaram, reciprocamente, para o acesso irrestrito aos seus mercados e para todo o universo tarifário. Um instrumento ainda não em vigor, que é o Protocolo sobre Promoção e Proteção de Investimentos de Estados Não-Participantes, agravará ainda mais a situação, ao estabelecer que "cada Estado-Participante promoverá, em seu território, investimentos de Terceiros Estados...". Legaliza a concorrência aberta na utilização de estímulos para a localização de investimentos estrangeiros.

De fato, a medida provisória estabelece um tratamento similar ao das zonas francas para projetos do setor automobilístico. Institucionaliza uma espécie de "projetos francos". É a partir dessa realidade econômica que deve ser examinada a sua compatibilidade com os compromissos assumidos no Mercosuí. Foi precisamente o Brasil quem impulsionou a Decisão CMC n° 8/94 que estabelece, para os produtos originados nas zonas francas, um tratamento similar ao que recebem os de terceiros países.

Várias decisões adotadas em Ouro Preto modificaram o Tratado de Assunção, estabelecendo exceções aos seus principais compromissos. São as que estabelecem o reeime de adequação, a tarifa externa comum e a transição para o açúcar e o setor automobilístico. De acordo com o artigo n° 53 do Protocolo de Ouro Preto foram convalidadas. Mas não poderiam ser modificadas ou ampliadas em sua vigência, a não ser por outro instrumento jurídico similar, ou seja, um tratado. Devido ao seu caráter excepcionai, a interpretação do seu alcance deve ter um caráter restrito.

A Decisão CMC n° 29/94 é a que estabelece o regime de adequação no setor automobilísitico. Pelo qúe já destacamos, tem força similar à de um tratado. Ela prescreve que as partes deverão pôr em vigor, em Io de janeiro do ano 2000, um Regime Comum Automobilísitico que. necessariamente, deverá conter - entre outros eiementos o-- a ausência de incentivos nacionais que distorçam a competidvi-dacie na região.

Mesmo sendo um compromisso que faz referência ao futuro regime, torna-se óbvio, em uma interpretação de boa fé do seu conteúdo, que um sócio não pode, durante a transição, estabelecer, sem consentimento cfos outros sócios, incentivos que na prática corroam a eficácia da obrigação assumida na Decisão CMC n° 29/94.

Portanto, podemos perceber que devido ao alcance restritivo das exceções que foram estabelecidas no Tratado de Assunção, em Ouro Preto, e pelo estabelecido na Decisão CMC n° 29/94, a medida provisória sobre incentivos aos investimentos automobilísticos no Nordeste e em outras regiões do Brasil contém elementos contrários aos compromissos assumidos no Mercosul, que, em nenhuma hipótese, poderiam ter uma vigência superior a Io de janeiro de 2000. Por analogia, os produtos originados a partir dos "projetos francos" que forem autorizados- por esta medida deveriam ter um tratamento similar ao previsto na citada Decisão CMC n° 8/94.

Além de tudo, a medida provisória foi aprovada tendo em conta que a Argentina e o Brasil haviam reconhecido em acordos bilaterais assinados em dezembro de 1994 e depois, em janeiro de 1996, os seus respectivos regimes automotores, tal como estavam vigentes naquele momento. Tal reconhecimento implica que toda medida posterior que signifique introduzir novos incentivos não pode ter validade entre ambos sócios, sem um expresso reconhecimento adicional. Do contrário, estará sendo alterada a balança de interesses recíprocos cristalizada nos acordos biíaterias que, por sua vez, foram negociados a partir da Decisão CMC n° 29/94.

O segundo caso é o das restrições ao comércio intra-Mercosul, originadas pela Medida Provisória n° 1569 do governo do Brasil, que faz referência ao financiamento das importações.

O que dizem as regras do jogo no Mercosul com relação às restrições ao comércio? Uma regra é a do artigo n° 2 do Anexo do Tratado. Introduz importantes definições para o tratamento da questão. Distingue, por um lado, "gravarnes" que são "os direitos aduaneiros e qualquer outros encargos de efeitos equivalentes, sejam de caráter fiscal, monetário, cambiaria ou de qualquer outra natureza, que incidam sobre o comércio exterior". Por outro lado, as "restrições", que são "qualquer medida de caráter administrativo, financeiro, cambiário ou de qualquer outra natureza, mediante a qual o Estado-participante impeça ou dificulte, por decisão unilateral, o comércio recíproco. O texto é claro e bem amplo.

Mas a regra de jogo básica é a do artigo n° 5, letra a, que, combinada com o artigo 1 do Anexo, estabelece o compromisso de eliminar todas as restrições não-tarifárias e demais restrições ao comércio recíproco, até dia 31 de dezembro de 199-4. E complementada pelo artigo 7 do Tratado, que impede distinguir entre produtos nacionais e originários ác Mercosul em matéria de impostos, taxas e outros' gravarnes internos.

A Decisão CMC n 3/94 flexibiliza este compromisso do Tratado? Ela'tem urna redação confusa e de pouca qualidade jurídica: nos autorizaria a pensar qüe podem subsistir algumas restrições não-tarifárias além do período de transição. O seu artigo 4 introduz uma regra ambígua que pode ser interpretada de várias maneiras: "Até que não seja alcançada a total harmonização das restrições não-tarifárias, Os Estados-participantes se comprometem a não aplicar em seu comércio recíproco, condições mais restritivas do que as vigentes para o comércio interno e externo".

Entretanto, de todas essas regras surge uma interpretação clara: as únicas condições restritivas válidas para o comércio recíproco, sejam elas de qualquer natureza, "incluindo as cambiadas ou financeiras", são as que já estavam vigentes e foram registradas. As novas deveriam ser registradas pelo Grupo Mercado Comum para ter validade. "Quem estabelece as novas condições com efeitos comerciais restritivos, não aceitos pelos sócios, incorreria em descumprimento do que foi acordado".

O que fazer quando são apresentadas situações como as descritas para o setor automobilístico e para as restrições ao comércio, tais como a mencionada medida provisória sobre financiamento de importações, ou as medidas que ainda regem o tema dos lubrificantes e dos produtos farmacêuticos?

As regras do jogo apresentam várias vias de ação. Pode-se recorrer à Comissão de Comércio, efetuar consultas, negociar, procurar soluções que restabeleçam o jogo de interesses entre os sócios. Também pode-se recorrer ao mecanismo de solução de controvérsias vigentes e que foi criado em 1991, pelo Protocolo de Brasília. É o que normalmente ocorre no âmbito da OMC, do Nafta ou do acordo Canadá-EUA.

Esgotada a etapa de consultas e negociações, ou como parte dela, a via arbitrai é útil quando existem diferenças e interpretações das regras de jogo. Demora algum tempo. Mas é uma maneira civilizada de dirimir controvérsias comerciais. Permite retirar dramaticidade à questão, encontrar soluções racionais e fortalecer a credibilidade dos investidores nas regras do jogo.

Se, por exemplo, o Brasil considera que os incentivos, regionais aos investimentos automobilísticos ou às restrições ao financiamento de importações não constituem um descumprimento ao que foi estabelecido, e se outro ou outros sócios consideram que, ao contrário, constitui, eles podem recorrer - sem prejuízo de continuar negociando - aos mecanismos que os próprios sócios estabeleceram para situações desse tipo. Isto não impede de encontrar uma solução antes da decisão judiciai.

Recorrer aos mecanismos para a solução de controvérsias do Protocolo de Brasília, por parte dos países que se consideram afetados pelo descumprimento do que foi acordado por um dos sócios ou por parte de suas empresas, não só permitiria encontrar respostas jurisdicionais às diferenças comerciais, mas também fortaleceria a ima

[...]


Félix Peña es Director del Instituto de Comercio Internacional de la Fundación ICBC; Director de la Maestría en Relaciones Comerciales Internacionales de la Universidad Nacional de Tres de Febrero (UNTREF); Miembro del Comité Ejecutivo del Consejo Argentino para las Relaciones Internacionales (CARI). Miembro del Brains Trust del Evian Group. Ampliar trayectoria.

http://www.felixpena.com.ar | info@felixpena.com.ar


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